quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Gaia Now! - Celebrando o Prêmio Nobel sem Fazer Cara de Pastel


"Que alguém tenha um PHD não significa necessariamente que ele saiba mais que as pessoas que vivem de um recurso. Há muito conhecimento local que temos que respeitar".

Foram estas algumas das palavras expressadas pela cientista social Elinor Ostrom, logo após se agraciada com o Prêmio Nobel de Economia deste ano.

Houve um tempo – um tempo não muito distante dos dias de hoje – em que muitos dos países europeus, bem como alguns outros espalhados pela Ásia, Oceania e América do Norte, eram tidos como exemplos de nações desenvolvidas e civilizadas.

O restante do mundo buscou (e ainda busca), por décadas, séculos a fio, alcançar o padrão político, social, econômico, militar e cultural estabelecido por tais nações. Éramos todos, ora como colônias, ora como pátrias subdesenvolvidas, vítimas de uma visão etnocêntrica, a nós imposta pela dominação física e/ou cultural por parte de nações mais “poderosas”.

Não se contesta aqui o grau de desenvolvimento ou de civilidade alcançado por aquelas sociedades, mas se torna cada vez mais necessário discutir seus parâmetros.

Será que hoje, com o planeta atravessando um delicado processo de complicação das condições climáticas, esses parâmetros seriam os mesmos?

Será possível, que numa era de elevadas conquistas científico-tecnológicas como a nossa, tenhamos ainda a disposição de estabelecer modelos de desenvolvimento anacrônicos, como se estivéssemos em plena Revolução Industrial?

O que seria da humanidade, se toda nação resolvesse adotar fontes poluentes e não-renováveis de energia em alta escala? O Brasil, com todas as condições que vem elencando nos últimos anos, tem o direito de fazer como, por exemplo, os chineses (cujas impressionantes conquistas econômicas não escondem os desastres ambientais daí decorrentes)?

A resposta, claramente, é não.

Dados que anteriormente eram concebidos como alarmistas e sem fundamento são, a cada dia, referendados pela ciência, deixando claro que a humanidade encontrou, afinal, um ponto de inflexão.

Hoje sabemos que já foi ultrapassado o ponto-limite onde a Terra, tal qual um organismo vivo, consiga se regenerar em relação a tudo o que vem sendo destruído/modificado pelo ser humano. O Planeta está enfermo.

Apesar de desenvolvidas e civilizadas, as nações às quais me referi no início do texto encontraram, na virada deste milênio, bem como na manutenção dessas condições, um paradoxo que antes não existia, dado que não podem continuar a se desenvolver e a produzir bens sem novas fontes de energia alternativas que substituam fontes fósseis e termelétricas.

O modelo chinês, portanto, não nos serve de parâmetro. Nem o norte-americano, nem o asiático ou o europeu. O modelo a ser seguido ainda está sendo criado.

Não por uma nação do BRIC (o grupo de países emergentes onde se encontra o Brasil) ou por qualquer um dos tigres asiáticos. Muito menos pelas ambientalmente combalidas nações européias e norte-americanas. E sim por todas elas.

Não há, ante as necessidades do homem, mais espaço para visões unilaterais que ao longo do tempo produziram distorções e catástrofes que, direta ou indiretamente, atingiram a todos, fazendo do mundo o que ele é hoje.

Foi-se a era dos pólos opostos e dos maniqueísmos ideológicos. Aqueles que insistem em encenar essa peça revelam-se, cada vez mais, atores decadentes, num papel que já perdeu, há tempos, a importância, e mesmo o glamour.

Vivemos a era da conjugação das idéias e das forças; uma era onde não há uma limitação clara de onde atua um e outro; a era da integração das metas, do pensamento interdisciplinar e do comportamento transversal, plural, heterogêneo.

Ao contrário, portanto, do que sempre vimos e nos acostumamos a acatar, as necessidades da contemporaneidade nos obrigam a rever conceitos, padrões e modelos; a re-inventar.

Foi, pois, muito contente da vida que recebi o anúncio do Nobel de Economia. Em seus estudos, Elinor Ostrom alerta a todos nós que a ciência econômica precisa integrar outros conhecimentos e considerar a sabedoria local para lidar com desafios da atualidade, como o gerenciamento de recursos naturais.

Seus estudos são uma demonstração categórica da necessidade de enxergar o mundo com outros olhos. Uma de suas mais importantes conclusões foi a de que algumas políticas governamentais acelerariam a destruição dos recursos naturais, enquanto que, por outro lado, alguns usuários daqueles mesmos recursos (p.ex. pescadores, agricultores, madeireiros) investiriam mais tempo e energia para alcançar a sustentabilidade em nome de um interesse comum, em longo prazo. O período de defeso de certas espécies aquáticas, quando se deixa de pescar por um determinado período, a fim de preservar o nicho ecológico equilibrado, é um ótimo exemplo, e que há tempos é adotado por diversas populações ribeirinhas e tradicionais.

Em outras palavras, é como imaginar que o conquistador português houvesse desembarcado por aqui disposto a conhecer e a aplicar todo o conhecimento autóctone em associação ao seu, na tentativa de se estabelecer a maneira mais racional e respeitosa de se integrar ao meio ambiente.

Que delícia seria o Brasil, não é mesmo? Tendo todo o conhecimento daquela gente, acumulado por séculos, à sua disposição, para a construção do país do futuro...

Se isso sempre nos pareceu fantasioso ou mesmo idealista, as conclusões encontradas por Ostrom surgem como um alento: a partir delas, os conquistadores dos dias atuais - sejam eles governantes, multinacionais ou nações - deverão adotar uma postura mais sensata e humana: substituir a arrogância pela humildade como instrumento de contato será condição sinequanon para garantir a própria subsistência, deles e do Planeta.
photografie by NASA

13 comentários:

De Azevedo Coe. disse...

Maravilha João,
Parabéns pelo texto!!! Cada dia melhor. Não pára, não pára, não pára...

Ah sim, sobre a temática abordada, recomendo assistir o filme "Lutzenberger: For Ever Gaia". Um verdadeiro "programa de índio"!!!

Um forte abraço!

Marcelo Mayer disse...

o senhor que vende sorvete na rua de baixo merecia um prêmio desses.

enfim, que belo texto cara!

O Maltrapa disse...

Valeu Frank! Juro que vou dar uma olhada nesse programa de índio!

Abração,

O Maltrapa

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Valeu Mistermáier! Mas devo esclarecer, àqueles que tenham estranhado o estilo pouco literário desse texto, que voces estão certos: não foi escrito para estar aqui, daí o linguajar pouco maltrapilho. O que vale, nesse caso, são as idéias.

O Maltrapa

as viciadas disse...

é...hummm...é...eu queria escrever alguma coisa inteligente assim um dia a respeito de um assunto tão importante pra nós.rs

sabe uma anta nordestina? eu! \o/

rsss.só sei escrever sobre libertinagem e afins.

falando nisso, espero por uma continuação da história de Lucélia e Lourival. rs


bjone,L.

O Maltrapa disse...

Hahaha! Obrigado, Vicious Girl!

A maior inteligência é aquela que carregamos no coração. Quando nos expressamos de maneira autêntica, tudo passa a fazer sentido, tornando-se importante, seja sobre a realidade encerrada dentro de nós mesmos, seja sobre a realidade que nos cerca.

E como diria o Marques de Safadê: "sem água limpa ou ar puro, vive-se mal, mas experimente viver sem sexo!..."

Beijo,

O Maltrapa

Márcio disse...

Outro cara que tem procurado extender os conceitos da economia para além da "vida transformada em números" é Joseph Stiglitz, nobel de Economia em 2001. Atenção para ele também!

as viciadas disse...

Nossa, vc citou justo Marques de Sade! Mais um incompreendido por ter idéias libertárias e libertinas.
Um dos primeiros a ter uma visão moderna da homossexualidade,defendia a existência de diferentes orientações sexuais. Tá certo que ele era insano e criminoso [já que enfrentar religiao era crime], mas nem por isso deixo de ser menos fã. Acho inclusive que eu se tivesse nascido nessa época teria sido como uma de suas personagens, Justine. rsss


Me empolguei, é que falou em libertinagem, eu sei.

Beijone, L.

O Maltrapa disse...

Márcio, não conheço o Stiglitz (nossa, quase engasgo!), mas vou procurar saber; vai que o cara resolve dar suporte!

Abração,

O Maltrapa

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Viciada, sua empolgação quase me constrange, pois devo revelar que o Marquês de Safadê foi inventado há poucos minutos, pois achei que um ditado como esse (também inventado) era a cara do libertino a quem você se referiu!. Dei uma de Chico Xavier e incorporei o hômi; foi isso!

Nunca li o Marquês original, mas sei um pouco de suas peripécias por meio de filmes e de comentários feitos por mulheres taradas... Elas sempre gostam do Marquês! Por que será? Hahahaha!!!


O Maltrapa

as viciadas disse...

Pois podia jurar que vc tinha apenas sido irônico e mudado o nome intencionalmente. =X ai que mico.rsss

e eu totalmente empolgada com meus profundos conhecimento acerca do Marquês.rsss

E quanto ao fato das mulheres sempre gostarem, talvez deva ser porque nos sentimos permissivas diante do sadismo dele. Puro fetiche.

bjone,L.

The Blues Is Alright disse...

Seria bem delícia o Brasil mesmo (fiquei muda).

O Maltrapa disse...

"bem delícia" é mesmo uma delícia de expressão... Alright!

Bem-vinda!

O Maltrapa

Marcya disse...

Que bom que tantas mulheres têm essa sensibilidade de enxergar o micro, os detalhes, o valor do que está ao lado. E mostrar isso ao mundo!

O Maltrapa disse...

"O valor do que está ao lado"... Taí uma coisa que, para perceber, não basta ser mulher; tem que ser humano...

Um beijo beeeeeeeeeem gostoso...

O Maltrapa