quarta-feira, 29 de julho de 2009

Dia da Independência

...Trintaeumzerodois, ao fundo, cheio de fome...
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O 28 de Julho é quase sempre uma data muito marcante para mim. Talvez muitos andarilhos experimentados não saibam, mas é nesta data que se comemora a Independência do Peru. Eu mesmo, até há pouco, não tinha conhecimento. Coisa de dois anos atrás, porém, uma amiga me contou. Era peruana e tinha um nome lindo: Yurica!

Mas, ainda que a referência seja proposital, servindo como uma homenagem àquela pátria, o seguinte relato nada tem a ver com a alegria de incas borrachos de pisco.

O que sei, é que no 28 de Julho do passado ano dos 1994, eu, Maltrapilho S. Santos, me encontrava numa missão de campanha, e era mais conhecido como Trintaeumzerodois. Servia no I Regimento de Cavalaria e Guarda, vulgo RCG – aquele, dos cavalinhos, do Sete de Setembro.

O acampamento era, de longe, o momento mais temido aos conscritos – os quase soldados. Após três meses de instruções básicas - que me possibilitaram aprender, dentre outras coisa, quem era o Patrono da Cavalaria ou como limpar a “bolsa” de um eqüino -, estávamos apto ao campo!

Seriam somente três dias de acampamento, onde, diziam, sofreríamos toda sorte de provação física e psicológica. De fato, à véspera da partida, soube que a tropa de instrutores seria formada inteiramente por voluntários, o que significa dizer que os cabos, sargentos, tenentes e demais oficiais presentes seriam também os mais sádicos do Regimento.

O local escolhido – um vale perdido, aos fundos do Setor Militar Urbano – não era longe, mas foram tantas as incursões pelo cerrado com tanto sol no capacete; tantas as simulações de bombardeio e de escapada mata adentro, com direito a mergulhos coletivos pelo capim seco, que demoramos todo o dia até alcançarmos a zona de conflito. A época do evento não era vã, visto que o Inverno era efusivamente saudado por nossos algozes como a época ideal para se ir a campo.

Durante a longa caminhada, por mais que a situação me parecesse real, não dava para imaginar um avião surgindo no horizonte com bombas de Napalm. Preferia me concentrar no melodioso chacoalhar dos cantis, que se chocavam sinfonicamente contra alguns penduricalhos da caserna, como fivelas e fuzis. Tchloc, tchloc, tchloc, tchloc, tchloc...

Mergulhar no mato, ao som de metralhadoras de festim, eu também gostava. Muitos faziam cara de Rambo; eu ria.

O primeiro objetivo fora cumprido: chegamos ao local, já extenuados e sem energia. A partir de então, as profecias se realizaram, e tudo o que era feito, tinha, intencionalmente, o sadismo como fio condutor. Xingamentos e humilhações, além de privações e maus-tratos; assim era o acampamento.

Ao final do primeiro dia, estávamos todos sendo instruídos em meio à mata. Qualquer erro era punido com um mergulho no rio. Cada vez mais encharcados, procurávamos nesgas de sol por entre as folhagens, a fim de não anoitecermos como pintos molhados. Pura perda de tempo. Ao mesmo instante em que a noite se fez presente, fomos obrigados a mergulhar, só para que dormíssemos molhados. Foram três dias com a mesma e úmida farda, dormindo ao relento, sem direito a trocar a cueca ou tirar a camuflagem da cara. Só via a cor da minha pele quando olhava meu pinto, na hora de fazer xixi.

Na missão empreendida naquela noite, certamente provei que de soldado eu não tinha nada. Eu era o líder da Patrulha Selva, composta por oito bravos homens “de confiança”, e haveríamos de colocar em prática tudo o que nos fora ensinado durante o dia: salvamentos de feridos, macas, tipóias improvisadas, etc. Tudo feito tarde da noite, sem luz, em meio à lama, à água e “à selva”. De repente, um grito horrendo de dor é escutado!...

Choros lancinantes. Pedidos desesperados de socorro em meio à escuridão. E surge, do nada, de lamparina em punho, nada menos que o capitão Sólon, o temido comandante do Primeiro Esquadrão. Sua presença empresta à cena a dramaticidade necessária, fazendo dali um Vietnã. Antes cansados e receosos, agora todos se entreolhavam assustados. É dada a ordem: “Trintaeumzerodois, o caso é sério! Há um homem ferido – aquele bizonho! - ao longo do córrego. Leve sua tropa e faça o atendimento necessário, rápido! Logo enviarei reforços! Vá, soldado!”.

De súbito, a Patrulha Selva estava embrenhada no mato, com água até a cintura (por vezes, até o pescoço) tateando uma linha que nos levaria ao homem ferido. Eu, à frente, já havia perdido o fôlego de tanto que eu ria. Sou do tipo de gente que ri quando fica nervoso ou descobre uma encenação, como parecia ser o caso. E ria, ria de perder a noção. Os demais, não sei se por ingenuidade ou medo, acreditavam em tudo, e iam, aos trancos e tropeços, passando por cima uns dos outros, ora pedindo ajuda, ora pedindo calma. Um, pendurou-se em meu pescoço para eu quase me afogar: “Não sei nadar! Não sei nadar!” -, berrava, aterrorizado. Engasguei muita água, e quando recuperei o fôlego, recomecei a gargalhar!

Para ser sincero, o que a muitos era terror, eu sentia como amor. Estar num lugar tão sinistro, no escuro, caminhando por dentro d’água e amparado por tantas energias não poderia ser algo ruim. Eu não temia nada, apenas ria e me divertia com o pânico alheio.

Logo adiante, nova lamparina, mais oficiais e o “ferido”. Era um cabo, e quebrara a perna prendendo-a numa entranha de troncos. Era preciso fabricar uma maca com nossa gandolas e levá-lo à base. E era gordo, o combatente; gente do rancho! Malditos sugadores...

Deitamos o militar em nossa maca e seguimos rio adentro. Eu, sempre adiante, e rindo muito, fui o responsável direto pela queda do ferido! Que, bobo nada, sartou de banda, evitando o mergulho completo. Só então os outros descobriram a farsa, e quiseram até bater no abestado.

Chegamos ao acampamento pouco depois, e fomos dormir.
Foi, indubitavelmente, a noite em que senti mais frio na minha vida. Acordei inúmeras vezes para fazer flexões, esquentar o corpo, e só então, conseguir dormir mais 15 ou 20 minutos, para então acordar e repetir o processo. No fim da madrugada, de tanta dor, senti vontade de chorar ao tentar desatar o nó do cadarço do coturno. Os dedos, atrofiados de frio, sequer os esticava. E olhava para minhas mãos, sem acreditar que eram minhas.

Logo, a manhã invadiu o vale, e tivemos, todos, a sensação de que o pior já havia passado. Ledo engano. Após mais uma jornada de intensas atividades, a Patrulha Selva encontrou novo desafio, noite adentro...

Tratava-se de encontrar as coordenadas por meio da localização do Cruzeiro do Sul; o tal azimute. É simples: faz assim com o dedo, tipo Paz e Amor, de lado, compara com a estrela inferior, faz um giro à esquerda e se traça uma linha imaginária perpendicular ao solo; pronto, ali é o Sul!

Foi-me dada uma série de coordenadas, e também um tempo-limite para nossa chegada ao ponto-final. E só. Dois detalhes: eu era míope e a noite estava nublada...

A empreitada foi madrugada adentro, até o momento e que, exaustos e sem qualquer sentido de orientação, entreguei os pontos. Já não agüentava caminhar a esmo, com galhos e espinhos pelo rosto, caindo em buracos e topando com pedras. Ordenei, então, “aos meus homens” que se deitassem, aguardando a Providência Divina.

Sentaram-se, formando um círculo, em silêncio. É como na guerra, que filho chora, mas mãe não ouve... -, pensei. E senti, verdadeiramente, vontade de saber da minha. Era quase de manhã.

Não muito tempo se passou, até que escutamos, vindo de longe, gritos de salvação; era o resgate!

Fomos a única patrulha a falhar na missão. E quando voltamos ao acampamento, imundos e esfarrapados, foi-nos dada a missão final: limpar fuzis. Era a punição pelo papelão.

Terminado o serviço, olhei para o campo que, coberto por uma névoa branca, escondia meus companheiros, encolhidos de frio, soltos pelo terreno...

- Trintaeumzerodois!... -, escutei, e quando me virei, recebi um novo fuzil e a seguinte determinação: - Tá de guarda! Senha: Brasil. Contra-senha: Romário.

Não podia acreditar... O sol já quase aparecia no horizonte, e eu ali, sem força para cuspir, tendo de montar guarda, com um fuzil à mão, e acordado! Parecia que todos haviam morrido, menos eu...

Foi quando escutei uma movimentação na barraca dos oficiais. De onde saiu, logo em seguida, uma fileira de homens. O capitão Sólon olhou para mim e, antes de qualquer outra coisa, disparou uma rajada de tiros pelo ar. Imediatamente, os demais, todos armados, passaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo entre os soldados e a dar tiros de festim para o alto. Realmente, era um campo de batalha, uma cena de guerra.

Soldados acordavam atordoados pelo estampido das bombas, já sem frio, mas com medo, enquanto escutavam berros de “Independência!!!” , dados por um cabo dos mais sádicos: “É hoje que o Brasil vai ficar independente de vocês, bando de molóides!”.

Enquanto as pessoas corriam em desespero, sem nem mesmo saber pra onde, eu, “privilegiado” por não ser acordado daquela forma (o que certamente traria seqüelas aos meus sonhos), comecei a pensar que logo estaria livre daquela estupidez. Já não era dia da Independência do Peru ou mesmo do Brasil, mas 29 de julho; o dia em que, 19 anos antes, eu me tornara dependente de tudo e de todos,
do Amor e do Desejo.




A todos àqueles afeitos a celebrações e improvisações, convido-os a estarem comigo, nesta noite (29), no Ninho do Urubu, a partir da 20hs, em volta à fogueira, com papicos e bebericos. Coisa simples, mas de coração. Sejam bem-vindos.

Vou oferecer água e sorrisos. Tragam o que mais lhes aprouver, s’il vous plâit. De pandeiros a cachaças.




segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Homem em Constante Evolução Amorosa - Assim Batizei Nelson Cavaquinho




Simba é descarado. Não é difícil reconhecer um, quando se também o é.

Foi todo um martírio - mais a mim que a ele - toda essa estória de reclusão e celibato. Nunca imaginei... Metê-lo num cárcere... Que cousa!


Um dia após o outro, pela manhã e pela noite, visitava-o no canil, encontrando-o sempre por onde estivesse mais empoeirado e mataguento; na maioria das vezes, sanguinolento. Se eu limpava aqui, ele se metia ali, cada vez mais sujo e tristonho.




Até arredio. Muito por conta do repelente mágico que eu borrifava, sem dó, em suas áreas chãs, fazendo-o espernear, quase implorando, “Au, au, au!!! (tudo, menos isso!!!)...”. Contrariando as determinações médicas, mas acatando as de Simba, suspendi o uso do spray.





Quanto aos comprimidos, tornou-se cada vez mais astuto, o malandrinho. Descobriu cada artimanha por mim utilizada para fazê-lo ingerir o medicamento. Se era misturado à ração, lá ia, com seu narigão, separar o alimento do balsâmico grão. Quando se acabaram as salsichas, utilizei gema de ovo; depois, molho à bolognesa. Quando tudo acabou, apelei para o chocolate. Que idéia!... Se arrependimento matasse, estaríamos estendidos no chão do canil até agora. Sem ter mais com quê ludibriá-lo, lembrei-me do estilo Zagallo. “Você vai ter que engolir, bro!” - e, abrindo sua bocarra, joguei sua salvação goela adentro. Que logo foi cuspida, em forma de pó branco e gosmento. É, pensei, talvez já seja hora de pôr fim a esse tratamento...

Já eram passados oito, quase nove dias, e percebia-se em seu olhar deseperançoso que já não havia mais limites. E o sangramento, por fim, pareceu ter encontrado seu fim.

Receoso que estava por conta da cicatrização de seu piu-piu, não achei boa a idéia de devolver-lhe à liberdade; uma cã seviciosa qualquer poderia causar-lhe uma dolorosa erupção de prazer. Mas, por outro lado, sua irretocável conduta me convenceu a premiá-lo com um sabor diferente e, improvisando uma corda, ofereci-lhe toda uma varanda sombreada, e também pedaços de quintal, para que ele fosse se reacostumando com os aromas da vida.

Já na manhã seguinte, a corda estava amarrada ao ar. Simba, com toda aquela carinha de bobo, desfez o nó e partiu, na calada da noite, deixando para mim uma sensação de incompetência e trabalho perdido... Mas não fiquei triste; nem um pouco. Talvez por achar que as Leis da Natureza sejam, efetivamente, as que mereçam nosso respeito e devoção.

Para mim, o que chamam “a vontade de Deus”, nada mais é do que a expressão latente de nossos instintos e desejos naturais. O Deus somos nós, e é por meio das nossas próprias determinações que interagimos com toda e qualquer forma de vida, aceitando os carinhos, mas refutando as dores da existência, como uma desilusão amorosa ou a perda de alguém.

Se os instintos de Simba o levassem à morte, não seriam minhas carências as responsáveis por qualquer sensação de tristeza ou lamúria.

E assim os dias se passaram, sem que qualquer sinal de fumaça surgisse ao horizonte.

Numa dada noite, já decidido a não mais pensar no assunto, mas ainda mirando modorrentamente para o imenso saco de ração recém-adquirido (ô, natureza mesquinha!), senti uma nhaca de carniça; poderosa! E do lúgubre de uma noite sem estrelas, me aparece aquela carinha safada e fedorenta, cheia da mais pura culpa canina. Olhinhos submissos e grunhidos melosos completavam a mise-en-scène. Fiz que não era comigo, dando-lhe a porta à fuça.

Qual quê! Quem pode com aquele futum? Abri a porta e vi um cachorro magro e famélico. Tendo acabado de jantar, recolhi os ossinhos de costela do prato a fim de mimá-lo. Atacou-os com ardor. Parecia desenho animado, onde os personagens engolem as coisas sem mastigar, o que me desagrada terrivelmente. Como aqui só tem banho frio, nem passou pela minha cabeça afagar aquela carniça, no que fechei a porta e dei boa-noite.

Tudo o que os pais querem é que seus filhos voltem para casa. Quando voltam, contudo, fazem bico. É a natureza deles.

Na manhã seguinte, para meu espanto e insatisfação, recusou a ração. Fiquei puto. Mas, tudo bem: que ficasse com fome, mas não fedido. Hora de banho no Corguin! E seguimos, como nos velhos tempos, eu e Carniç..., digo, Simba, rumo ao rio.

Nem um ou dois, mas o equivalente a três banhos, foi o que lhe dei, deixando-o muito contente. Seu sangue sobe e uma criança se apodera do seu ser. Aproveitei eu também para mergulhar muito, deixando com que meu corpo penetrasse a flor d’água, sendo levado pelas leves correntes, até tocar uma rocha, bem levemente... Depois, apoiado na cascata, meditei gostoso, por longos momentos.

Já no caminho de volta, trocando idéias com ele, fui tomado, subitamente, por aquela sensação de bem-estar que todo mundo sente de vez em quando, ainda que sem saber bem porquê.

Como que por sintonia, Simba, ao aproximar-se de casa, saiu em disparada, indo atacar a ração anteriormente rejeitada. Estava cheio de fome o danado! Ele sabe que eu adoro aquele roc-roc...

Já de barriga recheada, nos provocamos um pouco pelo quintal, até que o deixei relaxar, de banhinho tomado, bem alimentado e cansado. Fazer carinho em alguém limpinho é o que há. E foi o que fiz, ao longo de todo o dia; muito carinho... A cada instante, uma reconquista.

Hoje, Simba já não amanheceu aqui. Esgueirou-se para a zona do baixo meretrício, em alta madrugada, a fim de comemorar os resultados do futebol. Esperei-o pela manhã e pelo início da tarde. Não veio.


Há pouco, para minha tranquilidade, o carteiro passou por aqui, deixando um telegrama que assim latia:

"“Vou partir, não sei se voltarei,
Tu não me queiras mal,
Hoje é Carnaval...
Partirei para bem longe,
Não precisa se preocupar,
Só voltarei pra casa
Quando o Carnaval acabar...”

Assina: Simbólico
"




Expreguiçando-me na rede, joguei o envelope sobre a mesa ao lado e matutei... E decidi
rebatizá-lo Nelson Cavaquinho!






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terça-feira, 21 de julho de 2009

Natureza Humana – Dois Pesos, Duas Aranhas

Aqueles que acompanham o antropólico ladrilhar deste maltrapilho, sabem que o Ninho do Urubu é onde recarrego minhas energias, intercambiando-as com as da Mãe Natureza.

Quando me mudei para lá, só queria saber de mato. Os trinta anos passados no Plano Piloto haviam atingido um ponto de saturação, e viver ali, por entre superquadras e comerciais, tornara-se, há tempos, um real dissabor. Era preciso escapar!

Brasília, observo, está precocemente envelhecida – surpreendentemente reacionária para um sonho tão jovem. E cafona. O azul-anil do céu deu lugar ao azul-las-vegas dos arranha-céus, poluindo o horizonte, estabelecendo-se como a marca indelével do neo-greco-goianismo candango, ora reinante nesta provinciana capital.

Brasília parece velha também na moda. Aqui, não se vê pernas ao leo. É muito tailleur e muito salto para pouca camiseta e pouco chinelo.A falta de um contato real dos meus pés com o chão passou a produzir, em mim, uma estranha sensação de despertencimento.

E foi esta a desculpa final que encontrei para justificar minha decisão: voltar a sentir as reverberações de Pachamama, como quando eu era criança e andava perlaí, despreocupado da vida, descalço e sem camisa. Queria restabelecer meu ritmo emocional, de preferência, em consonância com o tempo que o passarinho leva para construir seu ninho. Resgatar, enfim, a harmonia da própria existência.

A casa que eu queria era qualquer uma. Que tivesse telhado e parede; mas até sem porta eu estava aceitando. Quando surgiu uma, despenquei para o Urubu, a procura do "Seu" Alan, o proprietário.

A casinha ficava num terreno cru, sem portão , rodeado pelo Cerrado. Aproximei-me na maciota e, conforme os ensinamentos do Jeca Tatu, bati palmas. “Ô, de casa!..”. Apareceu Alan, um homem franzino, de cabelos grisalhos e aparência e olhar leves. As largas calças brancas e uma camisa de manga comprida de ermitão outorgavam-lhe um ar meditabundo.

- Boa tarde... -, disse ele.
- Boa tarde. Meu nome é João Sassi e moro em Brasília há 30 anos. Sempre vivi no Plano, mas já não pertenço mais àquela realidade. Sei que sua casa está vaga e eu preciso dela.
- Hum... é João, né?, disse o Alan, transformando meu nome num monoxítono tônico, com um inconfundível sotaque goiano.
- É...
- Olha, João, eu não estava pensando em alugá-la... Tem, inclusive, que fazer uma série de reparos, mexer com a fiação elétrica que...
- Eu não preciso de luz -disse, interrompendo-o -, só preciso da casa! (Eu realmente estava disposto a tudo!)
- Olha... Vamos meditar durante a tarde. No final do dia, eu te ligo. – E me deu um carinhoso abraço, daqueles que cheiram a incenso.

Aquilo de falar “vamos meditar”, mexeu comigo: “É aqui mesmo!”, pensei, radiante.


Dois dias depois eu já pertencia à comunidade do Urubu. Poucas horas após minha chegada, eu já tinha sido convidado para almoçar na casa de um vizinho, jantar na de outro, e até mesmo para dormir com uma atiradinha (tipo "recepção de boas-vindas"). Como jacaré no seco anda, recusei algumas ofertas, tendo aceitado a outras.

Uma semana e tudo estava em Paz. A hora de dormir era algo especial; o momento de ficar quietinho, captando os sons da escuridão, escutando a conversa dos bichos.

Meu quarto não tinha porta, e a janela, ainda descortinada, permitia a entrada da luz, ora da Lua, ora das estrelas, criando sempre uma atmosfera relaxante, propensa ao bom repouso. Parecia que eu dormia ao relento.

Naquela noite, após os rituais do banho, apaguei as luzes da casa e afundei minha cabeça nos travesseiros, dando um sorriso para o alto. Minha cama não estava montada, por isso, dormia no chão.

Já deitado, veio a dúvida: “Será que tranquei a porta?”. Resignado, e ainda no escuro, levantei para ir ver. Na sala, próximo à porta da casa, no chão, observei uma grande “mancha escura”. Não sendo do tipo de homem que deixa coisa largada pela casa, estranhei aquela nódoa em meu assoalho de ardósia queimada. Antes de cutucar com os pés, porém, busquei o interruptor... E logo saltei para trás, assustado com a enorme aranha que ali, meditava.

Puxa, vida, a maior aranhona da paróquia! De imediato, criou-se um dilema. O que fazer? Matá-la era a última coisa que passava pela minha cabeça. Afinal, eu não tinha optado pela “vida selvagem” para acabar com esta mesma vida. Eu era o intruso. A aranha só tava dizendo “oi”. Eu deveria procurar entendê-la.

Pensei em abrir a porta, oferecendo-lhe a liberdade, mas o gesto seria dos mais arriscados, pois a abertura da porta iria forçá-la para a porta do meu quarto (que não existia). Se ela entrasse no meu quarto, não creio que fosse possível relaxar tanto ao deitar-me novamente.

Olhei bem para ela e entendi que não havia nada o que ser feito. Eu não estava ali para interferir. Por enquanto, observar era o mais indicado. Convencido de que São Francisco de Assis acabara de se manifestar em meu coração, apaguei a luz, dei-lhe um “boa-noite, Dona Aranha” e fui dormir, sem qualquer receio.

No dia seguinte, a consciência de que o Bem fora realizado me satisfez um bocado!

Alguns dias depois, contudo, nova provação...

Entrando no banheiro, percebi uma nova nódoa em minha visão. Olhei para o lado e vi o que era: uma nova, grande e gorda aranha. Não tive dúvidas. Ignorei-a.

Ela não era como a outra que, a despeito do tamanho, tinha pernas finas e aspecto pouco assustador. Esta, coitada, tinha aquela bundona ameaçadora, além de pernas torneadas e muitos pêlos pelo corpo.

Da segunda vez que passei por ela, senti uma sensação das mais desagradáveis. “João, cê tá sendo cínico, pois a aranha tá te fazendo mal e você fica aí, tirando uma de haribô”. Aquilo merecia uma atitude mais enérgica e pragmática. A não ser que eu quisesse tomar banho com uma peçonhenta espectadora a um metro do meu bumbunzinho (onde só mamãe passa talquinho).

Olhei para ela e estabeleci as condições. Postando-me a poucos centímetros dela, fechei os olhos e telepatiquei: “Aranha, você não é bem-vinda aqui. Espero que você entenda o que estou lhe transmitindo. Vou contar, mentalmente, até 60, e quando eu abrir os olhos, não quero mais vê-la aí, ok?”

Foram os 60 segundos mais longos da minha vida! Eu sabia que não podia abrir os olhos, pois o entendimento da minha mensagem dependeria da minha capacidade de concentração. Se eu abrisse os olhos ou me afastasse, perderia autoridade moral sobre a danada e nada poderia fazer para resolver a questão.

Por 60 segundos, tentei, o máximo que pude, comunicar-me com ela, dizendo que seguisse seu rumo, buscando novos horizontes, pois ali, futuro não havia. Então, abri os olhos...

...E lá estava a feiosa, imóvel, fingindo-se de "surda", sem mover um “músculo” sequer... Simplesmente, aviltante!

Saquei a alpercata dos pés, e tal qual um shao-lin inspirado, apliquei-lhe um golpe-relâmpago, potente e certeiro, fazendo com que minha amiga simplesmente explodisse em meleca, espalhando patinhas cabeludas por todo o azulejo. “Eu avisei...".

Nem por um instante, senti-me arrependido, muito ao contrário. Mais uma vez, o Bem fora feito, e mais uma vez, minha consciência estava tranqüila.

As aranhas, penso eu, deveriam também preocupar-se em entender essa nossa natureza, tão humana...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

De Crenças e Traições, Descrenças e Enganações

. En el detalle de la foto, un brasileño lleno de sonrisas...

Dentre as angústias que carrego, as maiores, certamente, dizem respeito ao engano.

O homem de caráter perdoa até a mulher que um dia o traiu, mas jamais perdoará o amigo que outrora o enganou. Conheço quem já traiu por amor, mas nunca quem enganou sem má fé.

Já fui traído, e perdoei. Já fui enganado, mas nunca consegui sublimar...

Era o dia 16 de julho de 2001. Eu estava em Cuba por conta de um taller de periodismo, para o qual havia sido convidado a participar junto a coleguinhas jornalistas de toda latinoamérica. Estava lá já há mais de um mês, no que caminhava por Havana com desenvoltura e altivez.

Hospedaram-me na Escuela Del Partido Comunista Ñico Lopez e, como hóspede, estava sujeito ao mesmo regime e regras impostos aos integrantes do futuro quadro de gestores do Partido (e da própria Ilha, por supuesto): pouca comida, pouca água e pouco luxo. Muito estudo, muita prática desportiva e muito estímulo à consciência.

Diferentemente dos turistas, eu só me alimentava em restaurantes “para cubanos”. E exatamente como os turistas, enchia a cara do delicioso rum “dos cubanos”...

Havia estado próximo a Fidel Castro em três oportunidades. Havia apertado sua mão, tirado fotos e escutado sua voz. E estava encantado por ele.

Havia também escutado muita coisa sobre a Independência Cubana, capitaneada por Martí, bem como sobre a Revolução, liderada por Castro, El Che e Camilo Cienfuegos. Estava embevecido pela história cubana.

Perdidos em devaneios revolucionários, lá ia, Habana afuera, interrogando transeuntes e contando-lhes as maravilhas de se viver numa sociedade pouco gananciosa. Não demonstravam receio, como se minha presença já lhes parecesse familiar. Por isso, falavam abertamente sobre o processo político cubano. Por saber que aquilo era uma concessão feita a poucos, sentia-me ainda mais pertencente a que fosse tudo aquilo - ainda que não soubesse exatamente o que aquilo tudo fosse. E costumava referendar os resultados da Revolução enaltecendo a sensibilidade e o sentimento, tão característicos à população dali, em contraposição ao materialismo e à frivolidade das pátrias capitalistas: “Aqui, ninguém espera que o outro tenha o bolso cheio de dinheiro, mas a cabeça cheia de idéias e o coração cheio de amor”, é o que dizia aos contra-revolucionários de plantão.

Voltando ao 16 de julho, lá estava eu, contornando a tarde azulada, rente às muralhas do Malecón, quando fui abordado por um entusiasmado rapaz. Perguntou-me de onde era, e tão logo eu disse “Brasil”, seus olhos se arregalaram, no que, sentando-se sobre a mureta, disse que era uma coincidência incrível, pois era para lá que ele estaria seguindo, dali a 15 dias.

Ele e um grupo de percussionistas seguiriam para “San Pablo” e Salvador, para um pequeno circuit de shows. “Como turista, hay que tener um mapa!”, inquiriu ele. E logo mostrei-lhe o meu. Demonstrando grande interesse por tudo o que eu dizia, o rapaz marcou um “X” numa rua qualquer, dizendo que, àquela mesma noite, estaria se apresentado ali, com outros músicos. “Te gusta la salsa? Tu és mi invitado, hermano!”, e disse que bastaria dizer meu nome ao segurança para ter acesso ao local.

Toda aquela dinâmica ia me envolvendo, deixando pouco espaço para o improviso; meu maior trunfo. Ele falava da música e dos brasileiros com super entusiasmo, como se a turnê dele fosse representar a etapa final da débâcle do Império! Ora me sentia homenageado, ora bobo.

Foi nesse instante, quando bobo era, que ele simplesmente me informou que eu teria de ajudá-lo. Que tinha mulher e filhos, e que la leche doada pelo gobierno ya era! E emendou: “Quanto você tem aí, na carteira?”. Eu, que me alimentava diariamente de quimeras humanistas, tinha diante de mim um legítimo farsante, e por ele era chantageado. A situação me era de um incômodo atroz, mas eu não encontrava meios para por fim àquilo!

Negar-lhe ajuda seria o mesmo que declarar que o ser humano é ganancioso, aproveitador, oportunista!... Exatamente o que ele era; exatamente o que eu não queria admitir que ele fosse.

Por outro lado, acreditar em seu engodo seria legitimar o hombre nuevo, que é solidário e desprendido.

Abri a carteira. Por sorte, somente 4 dólares. Entreguei o dinheiro, mas fiz questão de ir com ele à la vendita, onde logo entramos numa fila. A esta altura, mi compadre já não demonstrava tanta desenvoltura, senão preocupação. E cada vez mais, minha indignação resplandecia em meu rosto, fazendo com que meu semblante se fechasse e eu me aproximasse dele, quase o intimidando.

- Oigame, chico, que todavia tengo que coger uma platita a más, antes que me compre la leche...” -, e afastando-se, ainda gritou, “Esta noche!... No te olvides”, sumindo na próxima esquina.

Eu sabia que fora enganado, e ainda assim, não consegui evitar. Por horas, dias, anos, tenho repassado a cena, remontando o diálogo, compreendendo as nuances e armadilhas que minha malícia não evitou. Cair no conto do malandro cubano é algo que me marcou muito... Eram só 4 dólares!... Mas era também meu orgulho... E que se transformou numa lembrança que me traz tormento e arrependimento.

Oito anos se passaram, completados hoje. E somente aqui, agora, redigindo este texto, na labuta diária, nesse precioso exercício literário, consegui, enfim, entender o porquê da minha complacência. E compreendi que eu não poderia realmente ter feito nada diferente.

O trunfo dele? Minha crença na humanidade.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O Homem em Constante Evolução Amorosa - Parte I


















Na foto de João Sassi, vê-se a morada provisória do cão.

Apesar de andarilho, e ainda que maltrapilho, nunca me afeiçoei a cães. Não mesmo.

São demasiado dependentes, carentes e empoeirados. E lambões, e sujões também.

Até mesmo na boquinha dos pequerruchos, encontram-se surpresas, daquelas inesquecíveis, como uma carcaça de passarinho recheada de vermezinhos. Tive a oportunidade de viver isso. Por isso só gosto de língua de gente.





E também os enclausurados e bem tratados dogs de apê, estes também tem seus momentos de real cachorrice. Passar a mão na pelugem macia é gostoso, e tem até quem curta deixá-lo sobre a própria cama, ou mesmo levar lambidas na cara. Parecem sublimar que, “lá em baixo”, na hora do recreio, o bestalhão deita e rola por entre carnicinhas e outros desejos urbanos. Caminha rasteiro, por entre mijadas outras, quando não, bostas poucas. E leva tudo pra dentro de casa, no pêlo, na pata ou na boca.

Por essas e por outras, titubeei quando recebi, de uma amiga, a proposta de cuidar de um cachorrinho que ela encontrara, esfarrapado, solto pelo mato. Teria de assumir uma responsabilidade, enfim. Deixar de ser uma folha que o vento leva quando quer, pr’onde quer. Atrelar uma vida à minha.

Ao mesmo tempo, via na empreitada a possibilidade de crescer, de evoluir. Fazer valer a metamorfose ambulante tão necessária à renovação da nossa espécie, e de tantas outras. Para quem prefere gato, não é simples aceitar um cachorro.

Ele chegou aqui com quatro meses. Vira-latex puro. Cara de bobo, mas, nem de longe, burro.

Comida duas vezes ao dia, sombra, cama e minha companhia; era o que ele tinha. Vivia solto por aí, fazendo o que queria. Engordou com o afeto. Parecia cachorro de grife. Cínico.

Desdenhava das refeições, e divertia-se vendo os passarinhos se empanturrarem com os grãos de sua ração. Solidário, convidava cães vagabundos para cearem aqui, e oferecia a eles o que os passarinhos não haviam comido. Bocejava. Só queria saber dos ossinhos de galeto. Ou da macarronada à bolonhesa, que eu só dava em ocasiões especiais.

Aprendi a acariciá-lo. A conversar com ele. E até suculentos ossos de porco processados industrialmente eu comprava, de quando em quando, obrigando-me a freqüentar a “seção dos cachorros”, no supermercado – algo até então inimaginável em minha vida. Gosto de vê-lo fazendo roc-roc, com os olhinhos fechados, bem de levinho, enquanto rói, esfacelando o ossinho... O Simba tava com a vida ganha.

Contudo, como 'poréns' são regra, e não exceção, Simba não pode fugir a ela. A falta de limites, a vida desregrada e cadelas em profusão viraram a cabeça do pequeno cão. Ele já não tinha tanta disponibilidade para mim, e também já não batia ponto aqui com tanta freqüência. Sumia, às vezes, por dias. Quando voltava, sempre muito sujo, improvisava uma ducha, até que fôssemos ao Córguin.

A única coisa da qual não abria mão era do carinho da noite. Aquele, que o dono dá logo que chega do trabalho. Simba esperava que eu abrisse a porta do carro e vinha, dengosamente, aninhar-se junto aos pedais, como um caracol de pêlos. Eu me sentia muito feliz porque ele, ao encostar a cabeça em minhas pernas, fazia questão de fazer uma respiração melosa e cativante. Era nosso momento mais íntimo. O que me fazia até ignorar as marcas deixadas em minha calça por suas patinhas sujas de barro. Preferia interpretá-las como “marcas de amor em nossos lençóis”.

Quando eu saía, o movimento era inverso. A ponto de um dia, vê-lo pelo espelho retrovisor, em sorrateiro flagrante, escapando para a esbórnia, nem bem eu ligara o carro, o farrista...

Numa manhã, alguns dias atrás, uma experiência chocante: vê-lo deitado em meio a uma poça de sangue. Sangue rubro, sangue puro. Tão verdadeiro e vermelho que parecia falso. Não identifiquei nenhum rasgo ou perfuração. Na boca também não; nem corte ou obturação. Era culpa de alguma cadela – a culpa é sempre delas.

Demorou quase dois dias, mas consegui vencer minhas ojerizas e levá-lo ao veterinário. Na fria saleta, tive o cuidado de olhá-lo sempre nos olhos, afagando-lhe a dor causada pelas injeções. Foi bom saber que não se tratava de uma doença venérea. Mas foi um corte feio no pirulito... A ponto de fazer um amigo meu deixar o local, com pressão baixa, quase chamando o Raul e o Magal. Simba quase vira eunuco.

Desde então, virei enfermeiro. Mal consigo acreditar...

Não é tão difícil oferecer-lhe comprimidos e analgésicos embutidos em uma bisnaga de salsicha (a cada 12hs, durante 10 dias), mas ter de confiná-lo, ainda que temporariamente, ao canil, um local onde nunca havia estado. Mas Simba é muito fodão; meio covarde e boiola, mas fodão. Simplesmente não abriu a boca. Não reclamou. A não ser quando borrifo jatos de repelente em sua genitália. Disso ele não gosta, nem eu.

Mas ele continua sangrando. O canil fica emporcalhado; eu passo água. Vassoura. Troco a água. Me enrosco no mato. Sujo a calça de sangue. E lhe faço carinho, muito carinho. Mesmo de noite, mesmo no escuro, à luz de velas, ignoro os insetos, as pulgas, a minha própria intolerância e lhe faço carinho. Nunca fiz tanto carinho.




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obs:BOLETIM VETERINÁRIO (14/07) - às mulheres de coração apertado, informo: O elemento SIMBA encontra-se ainda em tratamento intensivo. Hoje, bem cedinho, por volta das sete, ele tava lindo, de orelhinhas baixas, olhando pra mim, sorrindo...


O Maltrapa





sexta-feira, 10 de julho de 2009

Stalin, ET, Orwell e Sarney


Você já leu 1984? E A Revolução do Bichos? Eu li, há alguns anos.

Ao que consta, ambos são críticas de George Orwell (escritor indiano/britânico, socialista) ao autoritarismo de Stálin que, àquela altura do campeonato, já havia desmoralizado a Revolução Russa em escala planetária, distorcendo e deturpando conceitos essenciais do processo revolucionário, para horror de idealistas, humanistas, ludicistas e utopistas de plantão – e deleite dos reaças, por supuesto.

Em 1984, o personagem principal nos apresenta um mundo completamente dominado pela burocracia e pelos interesses de alguns poucos – um deles, o Big Brother, que tudo vê e tudo sabe. Um mundo onde os cidadãos são vigiados 24 horas por dia, deixando assim, de serem cidadãos para se tornarem tão somente another brick in the wall, revelando um igualitarismo, e não a almejada igualdade.

Não sei se Orwell, ao elaborar seu livro, imaginou o inimaginável, buscando criar um mundo inacreditavelmente bizarro e inverossímil, como forma de explicitar o mal causado pelo “camarada” bigodudo. No entanto, ainda que fruto de sua imaginação (e indignação), é fato que o mundo atual assim se apresenta: bizarro e inverossímil.

Bizarro, para mim, é entrar no elevador e encarar uma câmera te filmando. E saber que o porteiro te vê tirando meleca, retocando a “maquilagem” ou encoxando sua mina.

É falar ao telefone com alguém que está profissionalmente preparado para não entender o que você diz, como se estivéssemos falando com o Itifonron (“E.T. phone home”, para os mais novinhos).

É comemorar o aniversário dos filhos e sobrinhos no Mac Donald’s, numa sala sem ethos, vida ou cosmologia (a não ser para os pimpolhos, cuja visão sociocultural do mundo está mais do que bem representada no fundo piscina de bolinhas coloridas).

É se dar conta de que sua barba (que até Deus deve usar) é entendida como algo anacrônico, ideologicamente perigoso e grave sintoma de falta de higiene.

É acreditar eternamente nas palavras do poeta, segundo o qual, “sempre se tem 20 anos em algum lugar do coração”, e por isso, ser tachado de sonhador ou, mais comumente, de “figura”.

É ser refém do sistema financeiro, da mídia ou dos preconceitos.

É concordar com a perda dos direitos civis em troca de “proteção”.

É saber que há ecos sociais em consonância com a “limpeza étnica” praticada por grupos de extermínio, Brasil afora.

É saber que menores de idade fazem ponto na Esplanada dos Ministérios, próximo à Catedral Metropolitana, na expectativa de atender à corja política de nosso País: “Com camisinha é 5; sem, é 10”. E que maiores de idade fazem ponto na mesma Esplanada, mas dentro de ministérios, câmaras e senados de nossa banânica República.

É ver crianças cada vez menos inteligentes e mais “ixpertas”.

É ver adolescente indolente, que bate no Mestre, e ainda bota na internet.

É ver a inocência sem poesia, sendo perdida, sem alegria ou magia.

Em homenagem a Orwell, já tá na hora de escrevermos o 1984 - Reloaded: contra o totalitarismo local e global e, infelizmente, em forma de não-ficção.
Ps: Convidei o Presidente Sarney para escrever a nova edição; ele ficou de pensar...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Pós-modernismo


Somos todos pós-modernos.

Não, não quero méritos por esta brilhante descoberta. Não quero royalties e abro mão dos copyrights.

Não importa se reacionários, alcoólatras ou subalternos; somos todos pós-modernos. Somos parte daquela gente que já viu a história acontecer, e que após seu “final”, não sabemos o que está por vir. Não se enxerga horizontes para além do fim do mundo. É o neo-medioevo pós-moderno.

Conhecemos a psicanálise, o que fez da gente, gente mais transparente. Ao fingirmos que não, corremos o risco de nos tornarmos hipócritas, demagogos ou mesmo mentirosos. Somos, todos, gente indecente.

Deixamos que a ideologia sobrepujasse a utopia. Pelos estragos do passado, perdemos a alegria de viver o futuro. É assim que me sinto. Um pouco; às vezes, muito.

E assim, “descrente desse mundo”, busquei aquele retorno às origens aludido por Rousseau, escapando para a floresta, na tentativa de trocar idéias com o lobo do lobo do lobo do homem. Já não agüentava mais o constrangimento de elevadores e moradores de uma Brasília que já não gosta de gente.

Pós-moderno que sou, encontrei ambiente no Morro do Urubu, onde me aninhei. É um lugar perfeito: quando chove, faz lama, quando seca, faz chama. No Inverno, tem frio e muita poeira, mas também tem fogueira e estrelas a noite inteira. Hoje, dia sete, aparecerá nos céus uma enorme lua cheia -é só conferir no seu calendário de cabeceira, onde ela se penteia...

Claro que o pós-modernismo implica em contradição, muita contradição! E por vezes me encontro lá, no meio do mato, hipnotizado pelo bumbum de uma Samambaia virtual, deixando enciumadas heras, brincos-de-princesa e outras plantinhas do meu quintal.

No domingo último, quase deprimi por conta da Turma do Didi. Só de ver aquelas ombreiras, sinto arrepio. Desligar a televisão não foi suficiente. Molhar as plantinhas tampouco. Olhei para Simba e não enxerguei nada, além de uma densa camada de terra e um carrapato monstro, próximo à jugular. Era o caso de resgatar a identidade da alma junto às águas do córguin.

Convoquei Simba (sim, sei que o nome é meio gay, mas já veio assim da fábrica), meu fiel vira-latas medroso e preguiçoso, e me piquei para a cachu.

São 10, no máximo 15 minutos de trilha. Simba vai na frente, pára de vez em quando, olha para trás, e segue em frente. E eu venho de cá, cambaleante, por entre pedregulhos, matinhos e pocinhas d’água, esperando pelas notícias que a vida quer me dar.

Gosto muito de alisar a casca das árvores do Cerrado. Árvores de cascas grossas e troncos retorcidos. Quem me conhece bem, sabe que o nome disso é escleromorfismo oligotrófico. Nunca vou me esquecer disso, pois foi por conta desse fenômeno químico-biológico que tirei 10 numa prova de biologia, no terceiro ano, a long time ago...

No córguin existe um poção; contraditório, não?

E no poção, encontrei um grupo de gente feliz. Um harém, por assim dizer. O sultão, zêbado, jazia junto a uma garrafa de Dreher, já pela metade. Ao seu lado, sua companheira, em trajes íntimos, fazia o mesmo. Outras quatro moças completavam a trupe, sentadinhas, em molha-pés, num gostoso disse-me-disse que só a mulheres sabem fazer. Não eram muito bonitas ou mesmo levemente feias, mas pareciam alegres, goianamente alegres.

Não acho que um sutiã creme, daqueles da vovó, seja a coisa mais sensual do mundo, mas dou o maior valor quando a mulher se sente a vontade para fazer isso. Também acho massa mulher que faz xixi no mato, que toma banho frio, que bebe cerveja e que não tem medo de escorpião. Eu tenho. Identifico-me de imediato com aquelas que tem nojo de barata.

Contornei pelo lado oposto, pois meu intento era zen; estava em missão de Paz.

À outra margem, comecei a fazer tchuqui-tchuqui para que o Simba se aproximasse. Ele odeia água gelada, mas se sente o máximo quando sai dela; é a cara do dono! O truque já está ficando manjado. Não sei como ele ainda cai... Mas caiu! Tchibum! Hahaha! Não tenho a menor dó; mergulho de vez o danado. E ele respeita, ficando caladinho, sentindo o refregar de minhas mãos contra aquela pelugem agastada. Depois, liberei-o para o sol.

E chegou minha vez. Fechei os olhos e, lentamente, ajoelhei-me, deixando o corpo solto, pendente, sendo sustentado pela leve correnteza. A água estava congelante, ideal para esquimós veraneantes. Minha cabeça permanecia de fora, permitindo aos ouvidos captarem sons múltiplos - até mesmo o do calor dos raios de sol que esquentavam minhas orelhas. Ouvia risinhos de lá e chuás de cá... Que foram diminuindo, diminuindo, até que não escutei mais nada... E imergi, descendo lentamente até o fundo, indo recostar a bochecha nas pedrinhas que lá repousam.

Foram alguns segundos de Paz. Uma paz uterina, atemporal, que nós, pós-modernos e esclarecidos, parecemos haver esquecido. Glub, glub, glub...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Para não dar Zebra, aposte no Gato!


Caso haja uma contenda entre os piores motoristas do planeta, sei que estarei entre eles.

E mesmo que não haja, não preciso do reconhecimento do júri; meus passageiros expressam essa certeza – não pela fala, senão pela sua ausência. Não sou sádico, mas é até divertido perceber um sutil arregalar de olhos. Rio em silêncio, hehehe...

Apesar de péssimo motora, sou ótimo piloto, e muito cara de pau, pois me dou ao direito de regurgitar “orientações” quando viro passageiro. “Vira aqui!”; “Passa pra outra pista!”; ou “Você não acha melhor ir pela L4?” são algumas das minhas frases mais recorrentes. Se me olham feio, apelo para a velha deixa: “Só estava querendo ajudar...”.

Pois ontem fiquei na mão.

Havia tempos uma amiga reclamava por uma vaga em minha agenda a fim de discutir um assunto de interesse profissional. Queria ela marcar um almoço, que tive de postergar duas ou três vezes, atribulado que estava pela minha eterna falta do que fazer.

Foi o tempo d’ela entrar no carro, arrancar e... TOF! Lá se ia o cabo da embreagem! Mardita paratosa; tão novinha, tão idosa.

Sorte que tenho amigos! Um deles se chama Mecânico, e sempre me ajuda quando preciso. Cobra caro, mas ajuda. Pois Mecânico por lá passou e com meu carro se mandou. Pela primeira (e, creio, última) vez em minha vida, tive de apelar para um TX para ir labutar.

Eu, um campesino urubuzino, ex-soldado limpador de bunda de cavalo, chegando à mais distinta e respeitada Casa da República num táxi – vil símbolo de ostentação pequeno-burguesa -; ó, que vergonha... Ainda bem que meus camaradas cubanos não lêem o blog do Maltrapa – seria muita queimação.

Já na manhã de hoje, tinha de ir à UnB e, claro, não tinha carro. Atrasado que estava (novidade!), apelei à Marcya para uma carona.

Logo adiante, um Zebrinha faz “perigosa evolução” no meio do balão, freando bruscamente. Ela, prudente como deve ser todo motorista, não o ultrapassa, no que eu, já todo espevitado, digo que ela não deve NUNCA parar atrás “desses caras”, que são uns irresponsáveis e coisa e tal. Pra piorar, o cara ainda dá aquela acelerada gostoooosa, arremessando uma nuvem preta que cheirava a diesel velho bem na nossa fuça!

Num átimo, somos capazes de criar monstros em nossa mente. No trânsito isso é instantâneo, e eu já havia transformado o motorista do ônibus num deles. Um mau-caráter, abusado e sem-respeito.

Ao o ultrapassarmos, porém, olhei para ele e, no tempo que dura um retorno, “fiz” um novo personagem. Era um neguinho de vinte e poucos anos, de cabelo batido e óculos escuros – estilo Ray Charles quando mais esbelto (ainda que, reconheço, nunca tenha deixado de sê-lo). Usava também luvas pretas, de couro, bem ao estilo do nem tão esbelto Michael Jackson. E estava na maior felicidade, batucando na perna, como se estivesse desbravando a L2 cavalgando num potro garboso! Fiquei feliz por não tê-lo ofendido.

Duas horas mais tarde, em pleno meio-dia, enxergo um Zebrinha chegando à parada. Estamos eqüidistantes. Inicio o sprint. Ele chega primeiro, mas me espera.

Entro, mezzo suando, mezzo bufando, e troppo apertado. O Zebrinha se tornou uma caixinha de sardinha aos joelhos meus. A senhora ao meu lado até tentou se espremer, mas tinha ainda muita perna atravancando o corredor. E assim descemos L2 abaixo.

Enquanto passávamos pelo Parque Olhos D’Água, já mais tranqüilo, olhei para o motora. Não, não era o neguinho feliz daquela manhã. Mas era como se fosse.


Pensei em como seria constrangedor encarar aquele que, momentos antes, a mim parecia ser um mau-caráter, abusado e sem respeito. E me senti verdadeiramente aliviado por não ter me expressado de modo tão infeliz e grosseiro.

Repito, não era ele; mas e daí...?

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Porcos Fardados - ou Manual Prático do Fino Trato para com Brucutus



Parei meu carro ao lado dos Correios, num prolongamento do asfalto. Provavelmente é o local onde a Kombi deles estaciona, em dias de semana. Mas era domingo, meio de tarde, e o mais calmo vazio...

Caminho alguns metros e olho para cima, observando aquele balançar inconfundível da copa das árvores. Até que um berro grosseiro rasga o silêncio, ocupando o vazio:

- Ô, flamenguista! -, disse uma voz, autoritária e seca.

Olhei para trás e identifiquei o autor do chamado. Era um policial militar, que gesticulava raivosamente, à entrada de um desses postos de segurança ridiculamente verdes que o GDF inventou para entristecer a Capital.

Certificando-me de que era eu mesmo o “destinatário” daquele convite, perguntei do que se tratava, no que ele se fez de surdo. Aproximei-me.

- Pois não?...
- Aquele carro é seu? -, disse, apontando para minha Ferrari verde.
- É.
- E por acaso o senhor não está vendo o estacionamento ao lado?
- Sim, estou. Só que...
- Então o senhor poderia nos fazer o favor de estacionar seu carro no local correto? Sim? Que bom!– disse ele, carregando na antipatia da fala e no pesar da entonação.

Ele não estava me orientando, mas me humilhando. Desde o berro que deu, à forma como conduziu o curto diálogo; foi tudo um exercício de escrotidão e sadismo explícitos.

Caminhando em direção ao carro, ainda escutei-o mastigar um “palhaço” entre os dentes, que ele certamente teria dito na minha cara, mas não o fez simplesmente porque estamos na Asa Sul, e não no Jardim Ingá.

Entrei no carro. A cabeça tava quente. Toda a alegria de um domingo de sol - de uma partida de futebol! - parecia ter acabado ali. Ir embora com aquela “nas idéias” faria de mim um bosta n’água.

Após estacionar a paratosa, bati a porta, decidido a tirar satisfações. Não porque sou o fodão, mas por ser cidadão. “O carro está com a documentação em dia e eu não bebi nada; não há o que temer”, pensei.

Quando entrei no posto, senti que estavam à minha espera. Eram três: um oficial, um sargento e um cabo – este último, o raivosinho -, que se ajeitou na cadeira enquanto baixava o volume do Faustão, acompanhando com falso interesse a minha presença, quase migrando para a indiferença.

O fato de haver sido “militar” – um Dragão!-, por quase um ano, fez com que eu cultivasse a idéia de que possuo um trunfo, pois eu sempre olho para eles de um jeito que, não sei por que, deixa claro que sei “a língua deles”. Isso os deixa desconfortável. É como uma resposta que a operadora de telemarketing não espera: ela trava.

- Boa tarde! -, cumprimentei, adentrando, em tom sóbrio e olhando para todos.

Estavam loucos para saber qual seria a minha queixa. É tudo o que um militar precisa para sair do sério: palavras de contestação. Mas continuei, com uma mentira que me daria credibilidade:

- Eu sou morador da quadra há muito tempo, e toda vez...
- O senhor sabia que estava cometendo uma infração? -, interrompeu-me o cabo, com o mesmo tom agressivo.

Segurei a onda.

- Não é o que estou contestando. Estou apenas dizendo que o senhor...
- O senhor conhece o Código Brasileiro de Trânsito? , contribuiu o tenente, em voz alta, querendo me intimidar, todo esparramado em sua cadeira, ao fundo da saleta. – Sabe que podemos multar o senhor?

Aproveitei a deixa e, aplacando meu nervosismo, indaguei:

- Se o local é proibido, então, no mínimo, deveria haver ali uma placa indicativa...

Todos olharam para a placa que não existia, deixando aberta a possibilidade para que eu assumisse a condução do diálogo.

- Mas repito: não é o que estou contestando.
- E o que é? -, disse o sargento, que tinha uma cara de bonzinho, e até então apenas acompanhara a cena.
- Sei que os senhores estão se esforçando para melhorar a relação com a comunidade, não é verdade? Teve até reportagem na TV, com o Comandante-Geral da PM, confere? -(O “confere” é essencial no tête-à-tête com a milicada, visto que é uma indagação que exige resposta imediata – bem ao estilo cabresto que lhes é pertinente -, não deixando tempo para pensar).

- É, teve... -, emendou o bonzinho.
- E o Comandante não disse que os policiais estavam sendo preparados para estabelecer uma relação de respeito e cortesia para com a população da cidade?...
- Sim, mas...
-... E a forma como eu fui tratado não demonstra isso. -, interrompi, já mais seguro de mim.
- O senhor acha que foi desrespeitado? Por acaso o cabo não foi educado? -, esbravejou o tenente.
- Foi educado, mas...
- Por que, se está achando ruim, protocole sua queixa junto ao Comandante da Corporação! -, ordenou, já quase se virando. No que o confrontei, pontuando a fala com calma e precisão:

- Não creio que seja o caminho. Sou um humanista e acredito no diálogo entre os homens; por isso vim aqui me entender com vocês. -(Essa, de falar “homens”, os deixa em polvorosa!). - O cabo foi educado com as palavras, mas não na forma como me tratou; não foi nada respeitoso. Não sou um moleque, e não dei motivos para que me chamassem dessa forma! Moro aqui há anos e sempre vejo carros estacionados ali, aos domingos...
- Sim, mas é proibido, e desde que este posto foi construído, não estamos mais permitindo. -, avisou o cabo, voltando à baila.
- Acho ótimo, mas não estou me referindo ao estacionamento, e sim à forma como o senhor chamou minha atenção. Isso não é nada digno para com o cidadão de bem! -, apelei, em, tom algo moralista.
- Você não gostou de ser chamado de flamenguista? -, disse o tenente, rindo, e logo sendo seguido pelos demais. Naquele instante (pasme!), a imagem do Adriano – O Imperador, com cara de ofendido, me veio à mente. E com autoridade imperial, pus fim à palhaçadinha:

- Sou antes cidadão que flamenguista (uh!), e não foi nada educada a forma como ele se dirigiu a mim, com palavras gentis, mas mal colocadas. -, arrisquei, olhando nos olhos do cabo, que se acuou, pois não encontrou apoio nos colegas de farda.

Os outros dois já não reagiam. E o próprio cabo fez silêncio. Então, encerrei:

- Sou do tempo em que Brasília era um lugar diferente, onde as pessoas conversavam e se preocupavam com a cidade. Não sou do tipo que faz conversões proibidas no meio da comercial! Aliás, nunca tem um policial por perto para aplicar-lhes uma multa!...
- Ontem mesmo um boyzinho reclamou porque lhe chamei a atenção com a sirene. -, colaborou o sargento bonzinho.
- Exatamente! Não vou reclamar por estar fazendo algo errado, mas se porventura estou, mereço ser tratado com respeito, pois é com respeito que trato Brasília! Há pessoas que provocam situações que exigem uma atitude mais ríspida por parte de um soldado, mas nem todos os gatos são pardos! (Vixe!)
- Não foi a intenção dele. -, desculpou-se o oficial, no que aproveitei para “tirar o pé”:
- E tem mais: o Imperador vai fazer três gols, porque já vi que todo mundo aqui tem cara de tricolor! -, disse, arrancando gargalhadas!

O bonzinho apontou o colega e disse que só o tenente era fluminense, o que explicava toda a situação: foi ultrajante me ver passeando, feliz da vida, envergando o Manto Sagrado em pleno dia de FlaxFlu.

Despedimo-nos com apertos de mão e palavras de cortesia.

Já saindo, quase soltei uma brincadeirinha – coisa típica deste Antropólico Maltrapilho que vos escreve -, mas deixei quieto. Era melhor dar-me por satisfeito. Afinal, a missão estava cumprida, e meu domingo, salvo. Porcos fardados, seus dias estão contados...