quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Eu não vi Sócrates jogar


Pena para quem não viu...


Eu não vi Sócrates jogar... Não, eu não vi.

Eu era muito pequeno e apenas sabia que ele era um barbudo que filosofava com peripatéticos colegas. Diziam que era grego, mas eu sabia que ele jogava no Brasil.

Meu pai dizia que ele era respeitado por todos por ser um grande homem; o que era fácil de ver, até para alguém de tão pouca idade: quando Sócrates entrava em campo, era sempre o mais alto, é claro que os outros deviam ter medo dele...

Então meu pai me disse que o respeito era pelas coisas que ele fazia, como “ensinar o povo a pensar”. Logo, imaginei o Sócrates saindo do Pacaembu, depois do jogo, e indo para uma escola enoooorme - cheia de gente, cheia de povo -; e o Sócrates lá, ensinando o povo a pensar.

Eu dizia a ele que seria jogador e que também deixaria a barba crescer, assim faria muitos gols e poderia ensinar o povo. Achava muito legal ele ser um pensador grego que jogava pelo time do Brasil e ainda ser professor!

   - Sócrates é medico; é o “Doutor”-, corrigiu-me ele.

Ou seja, além de filósofo e jogador, ele era professor e também doutor – e grego! Mesmo assim, perdemos aquela Copa... Foi uma sensação tão devastadora que, tirando o Laranjito, tudo o que eu me lembro do Mundial de 82 é a foto de um menino chorando, abraçado à bandeira brasileira.

Os amigos dele ficaram tão tristes, que foram todos embora para a Itália. O Falcão já tinha ido, e na mesma leva foram Cerezo, Zico, Júnior... Mas não o Sócrates, pois ele tinha planos auspiciosos para o País: por meio da palavra, queria instaurar aqui uma Democracia! Meu pai me disse que democracia era o contrário do que aqui a gente vivia; falou que o povo é quem mandaria.

Foi uma resposta tão abstrata que somente uma criança tão bem a acataria. E eu já pensava naquele general, de quem meu pai falava tão mal, virando garçom de pizzaria. E que os soldados que prendiam e batiam nos amigos do meu pai virariam defensores do povo, cuidando e protegendo o cidadão brasileiro.

E como homem de palavra, respeitado que era, Sócrates encarnou o ser revolucionário que suas barbas desgrenhadas evocavam e fundou a Democracia Corintiana. Ele e mais um bando de malucos do Parque São Jorge.

Sócrates ficou tão entusiasmado com a revolução, que avisou ao povo que tinha planos ainda mais ambiciosos para o futuro. Naquele dia, foi tanta gente a querer escutá-lo, que a aula teve de ser transferida para uma grande praça. E lá, avisou:

   - “Se a Emenda Dante de Oliveira passar, eu não vou embora do meu país!!!" -, e a multidão delirou...

Eu não tinha ideia quem era Dante ou o que ele queria remendar, mas tinha certeza de que ele era italiano, pois o remendo dele não passou e nos levaram o Sócrates embora. Só podia ser coisa dos generais...

Mas os militares logo caíram, e todos os rebeldes voltaram; inclusive o doutor Sócrates.

Voltou, mas já não era mais o mesmo; já não tinha condições de permanecer no front. Já não era o grande jogador de quem ouvira falar em minha infância. Estava feita a sua parte nesta guerra. Doravante, se tornaria lenda.

Não, amigos, eu não vi Sócrates jogar. Não, eu não vi...


Apenas senti.


foto de joão sassi

17 comentários:

MoondogZ disse...

Do carai, tomei a liberdade de recomendar a outros malungos.

O Maltrapa disse...

Hahaha! Valeu, Big Bin! Recomenda, aê!!!

Abraço do Maltrapa!

Marcya disse...

O Doutor sabia das coisas, e eu, nesse oráculo da vida... "só sei que nada sei".
Linda homenagem, meu Maltrapa.

Anônimo disse...

Bela homenagem...
Ok, o Brasil não ganhou a Copa de 82, mas aquele time é inesquecível: Leandro, Júnior, Falcão, Zico, Sócrates, Éder, Cerezo, dentre outros craques...
É bom lembrar que o Sócrates também vestiu o manto sagrado (camisa do Flamengo)...
Um abraço,
Fábio Lignelli

O Maltrapa disse...

Pois é, linda, esses caras se misturam pelas idéias...
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Grande Fábio!... Sabe o time todo, hein, camarada! Aposto que você curtiu bem aquela Copa! Sortudo.
Quanto à passagem do Doutor pelo Mengo, foi algo tão frué que não mereceu entrar na homenagem; foquei no melhor momento dele, dentro e fora dos gramados.

Abração do Maltrapa

João Carlos Assumpção disse...

Muito bacana a homenagem ao Doutor. Ontem o "Cartão Verde" foi todo dedicado a ele. Tive oportunidade, no início da faculdade, de ir à Copa de 1986. A então mulher do Sócrates estava no mesmo hotel onde fiquei hospedado. Volta e meia ele passava por lá e era uma pessoa simples, do povo mesmo. Não tinha nada de estrela nem de estrelismo. Era um sonhador. E sonhar é preciso, Maltrapa. Grande abraço, Janca

O Maltrapa disse...

Pois é, xará, quem teve o prazer de conhecê-lo, fala que ele era um craque como jogador, mas ainda melhor como "gente". Daí se vê a grandeza do ser!

Ele me ensinou a sonhar sendo sincero consigo. Hipocrisia não existia. Demagogia Zero. Caráter Dez.

Valeu, Janca!

Abração,

O Maltrapa

Rogério Tomaz Jr, disse...

Muito bom!

O Maltrapa disse...

Obrigado, Rogério! Apareça!

Punhos Cerrados!

Abraço,

O Maltrapa

Evandro disse...

Beleza de texto, parabéns. Eu também não vi o Sócrates jogar, mas sempre o admirei pelo senso crítico e a mordacidade ao tratar de Teixeiras, Havelanges e correlatos. Abraço.

O Maltrapa disse...

Valeu mesmo, Evandro!

Já imaginou uma mesa redonda envolvendo figuras de alta categoria, discutindo a realização do Mundial no Brasil? Sócrates, Tostão, Afonsinho, João Saldanha e, como convidado especialíssimo, Nelson Rodrigues! E o Armando Nogueira intermediando, com o auxílio do Veríssimo... Seria, de fato, uma aula de brasilidade!

Mesmo não sendo um blog eminentemente esportivo, seja sempre bem-vindo para discussões outras (com a bênção do Magrão).

Grande abraço,

O Maltrapa

Márcio disse...

Para equilibrar o espectro político dessa mesa redonda, seria bom chamar também, além de Nelson Rodrigues, outros mais à direita, como o chato necessário Juca Kfoury e o super-chato necessário Ruy Castro. Luis Fernando Veríssimo pode ser dispensado, pois é tímido demais para sustentar uma polêmica, e mesa redonda sem polêmcia, com muita concordância, não tem graça.

O Maltrapa disse...

Grande Contreiras,

Em relação ao Veríssimo, estou de acordo, mas me amarro no Juca! Por que ele seria "mais à direita"?

Abraço,

O Maltrapa

Márcio disse...

Mais à direita que os outros componentes da mesa, bem entendido. Hoje em dia, pelo que acompanho dos escritos de Juca Kfouri, diria que ele está policitamente no centro, certamente por causa das muitas desilusões que teve à esquerda (com o PT e o PC do B no poder, particularmente no Ministério dos Esportes) e à direita (com o PSDB no poder em São Paulo a tanto tempo). Também gosto muito do trabalho dele, particularmente por ser o único jornalista brasileiro que não deixa de bater diariamente no mafioso Ricardo Teixeira.

Márcio disse...

Correção: HÁ tanto tempo

Digitais Digitais disse...

É... Não vi o Sócrates jogar, mas meu pai viu e me falava da classe com que o grandão barbudo tocava na bola. Dos desconcertantes toques de calcanhar. Da elegância ludopédica cada vez mais rara em nossos tempos corridos...
Massa, João!!!

Abçs...

O Maltrapa disse...

Aos outros da mesa, sim; é verdade, Contreiras.

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Pois é, Digitais, o grandão barbudo era sublime nos calcanha. Se quiser uma dicas, é só me procurar!

Abração do Maltrapa