segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Madalena e as Joaninhas




O casal, já entrando na meia-idade, caminha pelo parque arborizado, no centro da cidade, aproveitando o clima ameno da manhã. Ele, mal humorado; ela, sorridente, procurando joaninhas com o olhar: - “Que lugar linnndo! Veja quantas joaninhas!!! Olhe bem, Estanislau, quando é que tu vê isso na Paraíba?”, perguntava ela, provocando o marido, que não parava de reclamar das caminhadas que o médico receitava.

Enquanto se deslocam lentamente por conta do evidente sobrepeso, alguns jovens muito mais bem dispostos lhes cortam o caminho em vigorosas passadas ou atléticas corridas. Exibem corpos que os dois só estão acostumados a ver nas novelas da televisão.

Passando um sujeito grisalho, muito bonito e bem-encorpado - portanto "rival" de Estanislau - Madalena deixou-se levar por tão bela imagem, revelando inescapável brilho no olhar, além daquele indisfarçável, pois prazeroso, movimento com o canto da boca...

Quando a alma sorri, não tem jeito; o corpo acusa.

Percebendo o encantamento de sua companheira, Estanislau, gordote branco-leite do pulso grosso, porém careca e baixote das canelas finas, chegou a arregalar os olhos, mas não acusou o golpe. Optou pela ponderação, apenas acompanhando a cena. Preocupou-se em não deixar que Madalena percebesse que ele havia percebido.

Caminharam mais um bocadinho; ela, agora, ainda mais bem-humorada, e ele, complacente, digerindo a situação. "Na Paraíba, isso acabava em morte", pensou (mais por pensar que por planejar).

Antes que ele se contaminasse com o ciúme ou se enraivecesse pela honra de cabra-macho ferida, uma estonteante morena atravessou o caminho do casal, em passos pouco mais lentos, ainda que mais consistentes.

Notando que não somente seus passos fossem seguros, mas também sua saliente bunda, muito bem involucrada por um minúsculo shortinho de ginástica, Madalena não pestanejou ao resmungar: "Como é que essa menina não se envergonha de usar essas roupas? Fica mostrando tudo aí, pra todo mundo ver!...".  

Agindo deliberadamente em concordância à fala da esposa, como se houvesse previamente planejado aquela ação, Estanislau não apenas acompanhou a passagem da beldade, mas se deu ao luxo de dar uma paradinha, com direito a torcida de pescoço, para acompanhá-la com total atenção.

A mulher se eriçou:

   - Ôu, não tá me vendo aqui, não?!
   - Ôxi, claro que tô!...
   - E mesmo assim vai ficar olhando a morenona passar?
   - Ôxi, mas não foi tu mesmo que acabou de dizer que a menina tá mostrando tudo?...
   - O que num significa que tu tem que olhar também!...
   - Mas, olhe... Se não foi tu mermo, agorinha ali, que ficou babando no cabeça-de-giz? Pensa que eu não vi? Todo galegão, barbinha feita, camisa de gola, toda refinada, uns cotocão de canela, grosso assim... Rum, tu pensa que eu sô cego, Madalena? – devolveu o marido, surpreendendo a companheira. - “É melhor olhar assim, com você do meu lado, do que fazer escondido, como tu fez; é ou não é?”.

Aquilo de “fazer escondido” acabou com ela. Mulher muito séria e correta, não estava preparada para o embate. – “É ou não é?”, insistiu ele.

Com o olhar cheio de vergonha, balançava positivamente a cabeça, concordando com tudo o que ele lhe dizia ou perguntava.

Era a primeira vez que era flagrada pelo marido olhando para outro homem, o que a deixou muito desconcertada. Ainda que se tratasse de um ato isolado, de um mero acaso, fora o suficiente para que Madalena voltasse os olhos para o chão e encolhesse os ombros, evocando para si a imagem da pecadora que nunca fora.

Assim, entristecida, seguiu a caminhada, cabisbaixa, e nem mesmo as joaninhas lhe devolveram o sorriso...



9 comentários:

Johannes disse...

É Maltrapa toda mulher têm seu momento Madalena e todo homem teu seus inúmeros e incontáveis momentos Estanislau...bacana tb o texto sobre o Dr. Sócrates, merecida homenagem ao filósofo da bola. Grande Abraço.

O Maltrapa disse...

Tudo verdade, Johannes, principalmente a justa homenagem a este Sócrates Brasileiro!...

Notei que você citou os momentos Estanislau no plural, e os momentos Madalena, no singular; viu a nossa calhordice? Hahahaha!!!

Abraço forte,

O Maltrapa

Não importa disse...

Complicado e triste, mas não é uma regra sem exceções.

O Maltrapa disse...

Acho triste também, Sentipalavras, pois, na minha visão, o machismo viceja há tantas eras na maioria das sociedades humanas, que já se tornou, em muitos casos, atávico.

Pobre Madalena; auto-condenada ao apedrejamento moral por não saber ainda que tem lugar neste mundo...

Um abraço,

O Maltrapa

Celamar Maione disse...

Maltrapa,

a mulher não tinha que se sentir envergonhada. Só por ter olhado para outro homem ?
Olhar não é pecado. Eu assumiria na " boa" a olhada.

Pois é, Maltrapa, vice de novo. Affe !!

Beijão

O Maltrapa disse...

O pecado é relativo, Celamar, e Madalena não era dada a tais aventuras; talvez por machismo, talvez por puro provincianismo, o fato é que ela refugou e aceitou a culpa.

Beijo grande,

O Maltrapa

Márcio disse...

Pasquale canetou via e-mail, escriba. Veja lá!

João Carlos Assumpção disse...

Viagem maltrapilha... É, o machismo em muitos lugares já se tornou atávico mesmo, Maltrapa. Mas às vezes a gente acaba sendo nosso pior inimigo, nosso maior perseguidor. Por isso acho que a gente tem que saber se acolher. Tem que aprender a acolher os outros, mas você não acha que às vezes é até mais fácil acolher os outros do que a gente mesmo???

O Maltrapa disse...

Concordo, Janca, e haja psicanálise para compreendermos o porquê de tanto auto-boicote. Sabe-se lá por que legado falso moralista, temos sempre de trazer, junto à honra, também o peso de toda uma família às costas.

Cê tá certo: temos de aprender a nos acolher; ter mais carinho por si mesmo (o que nada tema a ver com egoísmo).

Seguimos viajando, antropolicamente...

Abraço forte,

O Maltrapa