segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Zizinho - Ao Mestre com Carinho


A campanha no Brasileiro não engrenava de jeito nenhum. O Flamengo alternava jogos ruins com outros ainda piores. A verdade é que, tal como o próprio time, a torcida do Mengo nunca assimilou muito bem a fórmula dos pontos corridos. A Magnética gosta de embates épicos e sofridos, daqueles difíceis de esquecer, para depois poder contar aos filhos e netos, “eu fui!”.

A próxima partida era contra o Grêmio; adversário sempre tinhoso, duro de ganhar. Mas o jogo era no Maracanã, onde o Mengo tem de vencer; obrigação moral, venha jogando bem ou mal. Àquele momento, dos últimos 18 pontos disputados no campeonato, o Fla ganhara apenas 5!

A torcida era toda rubro-negra, e naquele final de tarde, num modorrento sábado de inverno, não mais que 20 mil gatos pingados resolveram dar as caras – um número raquítico, quando se fala na maior torcida do mundo. Gremistas, só uma meia-dúzia de 3 ou 4.

Eu já havia estado no Maracanã anteriormente, mas em partidas decisivas, e sempre contra times do próprio Rio de Janeiro. Mesmo quando tomamos de 5x1 do Asco da Gama, na final da Guanabara de 1999, a experiência fora enriquecida pela rivalidade e pelo colorido das duas torcidas, que cantaram antes, durante e após a peleja, dentro e fora do estádio.

Deste feita, porém, num cenário bem diferente, a esperança era a de que o time se incumbisse de tomar as iniciativas dentro de campo, proporcionando alguma felicidade àquele tão descrente torcedor rubro-negro.

O público estava concentrado no “setor verde”, tradicionalmente ocupado pela Raça Rubro-Negra, maior torcida organizada do Brasil. Ainda que muitos cantos houvessem sido entoados no início da partida, a verdade é que o clima não era de muita festa e o time não acertava nada. À medida que a torcida chiava, mais nossos heróis se desconcentravam, errando passes fáceis ou perdendo gols certos.

Já quando os jogadores voltaram para o segundo tempo, os gritos de estímulo deram lugar a vaias, e depois, a xingamentos contundentes. Os únicos a festejar estavam concentrados numa minúscula área, do outro lado do estádio: eram os tais 3 ou 4 gremistas que, a cada contra-ataque do tricolor gaúcho, tiravam o maior sarro da galera do urubu.

A tarde havia se acabado, e também a nossa paciência. O céu ficou escuro ao mesmo tempo em que uma chuvinha malvada começou a cair sobre nós. Estávamos coletivamente emputecidos!

De repente, um jogador do Grêmio faz falta violenta e é expulso. O fato só piora as coisas pro Mengo, pois a torcida passou a pressionar ainda mais, deixando os jogadores ainda mais atarantados. Aproveitando-se dos ânimos acirrados, os gremistas quase marcaram em dois rápidos contra-ataques, aumentando exponencialmente a ira da galera.

Para piorar, Obina - o Anjo Negro, nosso maior xodó - se joga na área na desesperada tentativa de cavar um pênalti. Resultado: tomou o segundo cartão amarelo e também foi expulso. A torcida enlouqueceu.

Não há pior decepção que aquela alimentada pelo álcool. Eu já havia entornado uns 5 copaços de celveja, sem contar as que foram digeridas antes do pleito. A cada chute mal dado, vinha lá de dentro um arroto cada vez mais azedo, amargo e indigesto. Tinha vontade de invadir o campo e mostrar àquela corja como se chuta uma bola com respeito e carinho, à La Pet, Zico ou Zizinho.

Num momento assim, quando se cria uma sinergia entre os presentes, é comum se virar para o torcedor ao lado e conversar com ele como se da família fosse. É como um grande salão de beleza, com a diferença que o único assunto é a alegria (ou ódio) que se sente. Só não dá para ficar calado. É num momento assim que até a raiva aproxima os homens.

E naquele momento, já com os 45 minutos findados, o ódio fazia de nós bestas raivosas, irmanadas por um processo de sofrimento coletivo que, ao fim e ao cabo, era justificado pela paixão comum a todos nós. Nos sentíamos traídos pela mesma e deliciosa namorada.

E de repente – não mais que de repente -, já nos acréscimos, um lançamento é feito; o goleiro se antecipa ao atacante flamenguista e dá um chutão... E “fura” espetacularmente, deixando a bola rolar, macia, até os pés de “Renato Pelé”, que só tem o trabalho de empurrá-la para o fundo do filó... BUM! Explode o Maracanã!...

A turba, ensandecida, agora é só sorrisos e urros de prazer! A namorada voltou; linda, com carinha de arrependida! A massa se envolve, se abraça e chora, aliviada, extasiada. O que era dor virou pó; o que era amor, só...

Saímos, eu e meus novos 19.999 novos amigos, enlouquecidos pelas galerias do Maraca, num turbilhão afetivo sem precedentes.

Eu, que já segurava o pinto há mais de meia-hora, corri ao banheiro para me aliviar. Segurei o copo com os dentes e, com a cabeça encostada no azulejo, senti o inigualável prazer do mijo contido que finalmente encontrava a porta de acesso aos céus. Sim, o mictório do Maraca era meu céu, e ao meu lado, outros anjinhos, também com a cabeça lhes servindo de apoio, também com o copo entre os dentes, acompanhavam, com grunhidos nasais, o mantra que ainda ecoava das arquibancadas, transmitindo a todos a deliciosa sensação do Paraíso: “Ô,ô,ô,ô,ô – ô ô,ô,ô,ô,ô – ô, que torcida é essa?”

Se num campeonato onde o Flamengo não tinha chance de nada, uma vitória safada foi assim comemorada, não quero nem saber o que será de mim no próximo domingo, contra o mesmo Grêmio, numa final de campeonato... Obrigado, Senhor!!!

12 comentários:

Sarah disse...

corinthiana mas torcendo pelo mengão!
boa semana pra ti e boa sorte pros urubus!

Marcelo Mayer disse...

agradeça ao meu time

Carol Sakurá disse...

Oi Maltrapa!

Para ler seu texto coloquei o acústico do Jorge Ben com Fio Maravilha.

Ok,não curto o FLA,mas a magnética é apaixonante.

Abs!

Carol Sakurá

Marcya disse...

E eu, que nunca assisti futebol, nunca fui flamenguista, nunca pisei no Maracanã, estou aqui tremendo de ansiedade pra ver de perto o Mengão campeão no domingo!

O Maltrapa disse...

Valeu, Sarah! Bote fé no Mengo que não tem erro; a Massa vai sorrir neste Domingo!

Beijo grande,

O Maltrapa

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Mayer, ainda que o Robolão não se jogasse no chão, ainda que não houvesse sido expulso o Chicão, ainda que o Mano tenha ficado com cara de chorão; enfim, ainda que seu time não tivesse feito todo aquele papelão, garanto: não ia dar pro Timão!

Abraço,

O Maltrapa

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Carol, dê um pulo lá no Maraca que você vai sentir "a real" da música do Jorge Ben...

Beijo,

O Maltrapa

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Marcya, se você não sabe o que é aquilo... Tampouco eu! Uma dica: Esfalfe-se, linda!

Beijos...

O Maltrapa

Márcio disse...

Pô, Escriba, o Framengo tem boas chances de ser campeão domingo, mas até agora não ouvi/li um só torcedor, jogador, técnico ou cartola do time dizer com todas as letras que quer que o Grêmio entre completo, que o rubro-negro tem capacidade de vencer sem ninguém facilitar. Cadê o brio, porra? Vai dizer que a "magnética" (isso é criação sua ou é mais uma das presepadas de Jorge Ben?) acha normal ser campeão de qualquer jeito, com gol de mão, etc e tal? Abaixo o pragmatismo no futebol - viva o lúdico!

O Maltrapa disse...

Pô, Márcio, às vezes parece que você não me conhece, né, rapaz? Vou conter meus ânimos e responder à sua acusação em meu próximo texto.

Por ora, deixo uma sugestão. Na página do globoesporte.com.br, clique no emblema do Fla e depois, à esquerda, no "Blog do Torcedor". O cara é bem espirituoso, sarcástico na medida certa - o que denota inteligência. O nome do texto que satisfará sua ânsia chama-se "Uma Letra pros Gremistas"; vai lá, confere e me dá o retorno, ok?

Abraço forte,

O Maltrapa

Ps: o esquema que o Planet tinha descolado lá no Rio furou. Estamos indo sem ingresso, na cara e na coragem. Se alguém for amante de algum cambista, favor avisar.

Márcio disse...

Escriba, o cara do blog da mulambada escreve marromeno. Dei uma olhada rápida e o que mais me agradou por lá foi o texto em que ele desce a madeira no que a torcida do rubro-negro anda cantando nas arquibancadas (musiquinha da grobo para Ayrton Senna e coisas piores, deixando de lado o hino do clube). O texto que você recomendou está bem equilibrado. Em compensação, logo em seguida ele prefere apelar ("E Ninguém Cala, Esse Chororô…"). Ou seja: não passa por média. Tá pensando o que, rapá? Sou exigente! Nada de elogio de graça!

Dias de Setembro disse...

Parabéns, João, pela conquista do título!
Aqui perto de casa foram tantos fogos e buzinas que fiquei impressionada e pensando como o futebol alivia a alma, traz alegria, muito bacana... beijo, Tita

O Maltrapa disse...

Valeu, Márcio! Valeu, Tita! Tô até agora em estado de total elevação espiritual... Ainda rouco, ainda louco, ainda pouco. É tudo mais que demais... A massa merece!

Beijos, queijos, etc.

O Maltrapa :) :P :D

Luna disse...

aí eu choro quando lembro que chorei naquele domingo.
foi lindo né?

O Maltrapa disse...

Nem me diga, Luna! Estive lá no Maraca... Fiquei uma semana anestesiado pela comoção geral.

Beijo Grande, (do tamanho do nosso time),

O Maltrapa