quarta-feira, 1 de julho de 2009

Porcos Fardados - ou Manual Prático do Fino Trato para com Brucutus



Parei meu carro ao lado dos Correios, num prolongamento do asfalto. Provavelmente é o local onde a Kombi deles estaciona, em dias de semana. Mas era domingo, meio de tarde, e o mais calmo vazio...

Caminho alguns metros e olho para cima, observando aquele balançar inconfundível da copa das árvores. Até que um berro grosseiro rasga o silêncio, ocupando o vazio:

- Ô, flamenguista! -, disse uma voz, autoritária e seca.

Olhei para trás e identifiquei o autor do chamado. Era um policial militar, que gesticulava raivosamente, à entrada de um desses postos de segurança ridiculamente verdes que o GDF inventou para entristecer a Capital.

Certificando-me de que era eu mesmo o “destinatário” daquele convite, perguntei do que se tratava, no que ele se fez de surdo. Aproximei-me.

- Pois não?...
- Aquele carro é seu? -, disse, apontando para minha Ferrari verde.
- É.
- E por acaso o senhor não está vendo o estacionamento ao lado?
- Sim, estou. Só que...
- Então o senhor poderia nos fazer o favor de estacionar seu carro no local correto? Sim? Que bom!– disse ele, carregando na antipatia da fala e no pesar da entonação.

Ele não estava me orientando, mas me humilhando. Desde o berro que deu, à forma como conduziu o curto diálogo; foi tudo um exercício de escrotidão e sadismo explícitos.

Caminhando em direção ao carro, ainda escutei-o mastigar um “palhaço” entre os dentes, que ele certamente teria dito na minha cara, mas não o fez simplesmente porque estamos na Asa Sul, e não no Jardim Ingá.

Entrei no carro. A cabeça tava quente. Toda a alegria de um domingo de sol - de uma partida de futebol! - parecia ter acabado ali. Ir embora com aquela “nas idéias” faria de mim um bosta n’água.

Após estacionar a paratosa, bati a porta, decidido a tirar satisfações. Não porque sou o fodão, mas por ser cidadão. “O carro está com a documentação em dia e eu não bebi nada; não há o que temer”, pensei.

Quando entrei no posto, senti que estavam à minha espera. Eram três: um oficial, um sargento e um cabo – este último, o raivosinho -, que se ajeitou na cadeira enquanto baixava o volume do Faustão, acompanhando com falso interesse a minha presença, quase migrando para a indiferença.

O fato de haver sido “militar” – um Dragão!-, por quase um ano, fez com que eu cultivasse a idéia de que possuo um trunfo, pois eu sempre olho para eles de um jeito que, não sei por que, deixa claro que sei “a língua deles”. Isso os deixa desconfortável. É como uma resposta que a operadora de telemarketing não espera: ela trava.

- Boa tarde! -, cumprimentei, adentrando, em tom sóbrio e olhando para todos.

Estavam loucos para saber qual seria a minha queixa. É tudo o que um militar precisa para sair do sério: palavras de contestação. Mas continuei, com uma mentira que me daria credibilidade:

- Eu sou morador da quadra há muito tempo, e toda vez...
- O senhor sabia que estava cometendo uma infração? -, interrompeu-me o cabo, com o mesmo tom agressivo.

Segurei a onda.

- Não é o que estou contestando. Estou apenas dizendo que o senhor...
- O senhor conhece o Código Brasileiro de Trânsito? , contribuiu o tenente, em voz alta, querendo me intimidar, todo esparramado em sua cadeira, ao fundo da saleta. – Sabe que podemos multar o senhor?

Aproveitei a deixa e, aplacando meu nervosismo, indaguei:

- Se o local é proibido, então, no mínimo, deveria haver ali uma placa indicativa...

Todos olharam para a placa que não existia, deixando aberta a possibilidade para que eu assumisse a condução do diálogo.

- Mas repito: não é o que estou contestando.
- E o que é? -, disse o sargento, que tinha uma cara de bonzinho, e até então apenas acompanhara a cena.
- Sei que os senhores estão se esforçando para melhorar a relação com a comunidade, não é verdade? Teve até reportagem na TV, com o Comandante-Geral da PM, confere? -(O “confere” é essencial no tête-à-tête com a milicada, visto que é uma indagação que exige resposta imediata – bem ao estilo cabresto que lhes é pertinente -, não deixando tempo para pensar).

- É, teve... -, emendou o bonzinho.
- E o Comandante não disse que os policiais estavam sendo preparados para estabelecer uma relação de respeito e cortesia para com a população da cidade?...
- Sim, mas...
-... E a forma como eu fui tratado não demonstra isso. -, interrompi, já mais seguro de mim.
- O senhor acha que foi desrespeitado? Por acaso o cabo não foi educado? -, esbravejou o tenente.
- Foi educado, mas...
- Por que, se está achando ruim, protocole sua queixa junto ao Comandante da Corporação! -, ordenou, já quase se virando. No que o confrontei, pontuando a fala com calma e precisão:

- Não creio que seja o caminho. Sou um humanista e acredito no diálogo entre os homens; por isso vim aqui me entender com vocês. -(Essa, de falar “homens”, os deixa em polvorosa!). - O cabo foi educado com as palavras, mas não na forma como me tratou; não foi nada respeitoso. Não sou um moleque, e não dei motivos para que me chamassem dessa forma! Moro aqui há anos e sempre vejo carros estacionados ali, aos domingos...
- Sim, mas é proibido, e desde que este posto foi construído, não estamos mais permitindo. -, avisou o cabo, voltando à baila.
- Acho ótimo, mas não estou me referindo ao estacionamento, e sim à forma como o senhor chamou minha atenção. Isso não é nada digno para com o cidadão de bem! -, apelei, em, tom algo moralista.
- Você não gostou de ser chamado de flamenguista? -, disse o tenente, rindo, e logo sendo seguido pelos demais. Naquele instante (pasme!), a imagem do Adriano – O Imperador, com cara de ofendido, me veio à mente. E com autoridade imperial, pus fim à palhaçadinha:

- Sou antes cidadão que flamenguista (uh!), e não foi nada educada a forma como ele se dirigiu a mim, com palavras gentis, mas mal colocadas. -, arrisquei, olhando nos olhos do cabo, que se acuou, pois não encontrou apoio nos colegas de farda.

Os outros dois já não reagiam. E o próprio cabo fez silêncio. Então, encerrei:

- Sou do tempo em que Brasília era um lugar diferente, onde as pessoas conversavam e se preocupavam com a cidade. Não sou do tipo que faz conversões proibidas no meio da comercial! Aliás, nunca tem um policial por perto para aplicar-lhes uma multa!...
- Ontem mesmo um boyzinho reclamou porque lhe chamei a atenção com a sirene. -, colaborou o sargento bonzinho.
- Exatamente! Não vou reclamar por estar fazendo algo errado, mas se porventura estou, mereço ser tratado com respeito, pois é com respeito que trato Brasília! Há pessoas que provocam situações que exigem uma atitude mais ríspida por parte de um soldado, mas nem todos os gatos são pardos! (Vixe!)
- Não foi a intenção dele. -, desculpou-se o oficial, no que aproveitei para “tirar o pé”:
- E tem mais: o Imperador vai fazer três gols, porque já vi que todo mundo aqui tem cara de tricolor! -, disse, arrancando gargalhadas!

O bonzinho apontou o colega e disse que só o tenente era fluminense, o que explicava toda a situação: foi ultrajante me ver passeando, feliz da vida, envergando o Manto Sagrado em pleno dia de FlaxFlu.

Despedimo-nos com apertos de mão e palavras de cortesia.

Já saindo, quase soltei uma brincadeirinha – coisa típica deste Antropólico Maltrapilho que vos escreve -, mas deixei quieto. Era melhor dar-me por satisfeito. Afinal, a missão estava cumprida, e meu domingo, salvo. Porcos fardados, seus dias estão contados...

13 comentários:

Dias de Setembro disse...

Conheci o seu blog por meio do Fernando (Janelas e Portas). Você tem uma maneira bem humorada de contar "causos", quer dizer, li apenas a dos policiais. Isso aconteceu mesmo ou é alguma "invenção"? Adorei!
Tita

Unknown disse...

Oi João, chato te criticar no meu primeiro comentário, você sabe que eu gosto muito do que você escreve, mas realmente não entendi essa de "diálogo" se, no final, você os chamou de "porcos fardados" e “brucutus”!!! Talvez o diálogo tenha funcionado mais pra eles...

Ludmilgameiga disse...

Anjoão,
Enfrentou com inteligência, querendo apenas o reconhecimento do erro ou humildemente dizer-lhe que: nem todos que pertencem a este emaranhado alinhado são a mesma "coisa".
Depois deste dia os "porquinhos fardados" pensarão melhor antes de chamar alguem brutamente. Agora devemos, NÓS, tirar o reflexo do bruto de dentro de NÓS, árdua tarefa...uiiiii
SEMPRE AVANTE COMPANHEIRO, COMBATENDO OS REFLEXOS BRUTOS DE NÓS E DOS OUTROS !!!!
Têm espinafre ai???

O Maltrapa disse...

Puxa vida, Tita, se você adorou o único texto que leu, já tem obrigação de dar continuidade à empreitada, ora pois! Hahaha!

O humor é meu tempero; não consigo escrever sem rir de mim mesmo! Bom que você tenha gostado do estilo. Seja muito bem-vinda!

Um abraço,

O Maltrapa

O Maltrapa disse...

Marinota, não sei se a Ludmilgameiga fez o comentário pensando em responder por mim ao seu questionamento, mas se foi isso mesmo, faço delas as minhas palavras. Sugiro uma nova leitura do texto para nova interpretação. Vou ler também a ver se eu que me enxerguei mal, hehehe...

Beijão,

O Maltrapa

O Maltrapa disse...

Aliás, Tita, tudo o que rola com o Maltrapa é real...

O Maltrapa disse...

Hahahaha! Tudo, Ludlinda; tudo! Também quero espinafre!!! Hahahaha!!!

Beijão,

O Maltrapa

Pollyana Maria disse...

Uau !!! Achei a maior evolução da estória da tia do elevador pra essa ... Quando eu crescer quero ser parecidinha com você!
Beijo!

O Maltrapa disse...

Que meu velho pai não a ouça, Popó... Ele viu valor no elevador...

Enfim, bicho danado pra pegar no pé da gente; é o tenente; é o tenente!

Beijão,

O Maltrapa

Márcio disse...

É isso aí, Lima Santos: puliça também é gente, mas não se pode deixar barato nenhuma truculência! Respirar fundo, contar até dez, mas cobrar decência de todos!

O Maltrapa disse...

Cobrar é preciso; o difícil é encontrar meios, né, Contreiras? Se você vacila, te enquadram na maior ignorância!...

E tu, gabiru, nos braços do Mickey? Hahahaha!!!

Abração,

O Maltrapa

Lívia Vitenti disse...

"Que fique muito mal explicado
Não faço força pra ser entendido
Quem faz sentido é soldado..."

É do Mário Quintana! Demorei para comentar porque estava sem internet... acabei de me mudar!
Beijos

O Maltrapa disse...

Dukaralho, Lívia! Belas palavras...

O Jorge Amado também era adepto dessa lógica: "quando chego num lugar, não me faço ser entendido; deixo que me entendam..." (as palavras são minhas)

Boas energias para você em sua nova morada!

Beijão,

O Maltrapa