segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Homem em Constante Evolução Amorosa - Assim Batizei Nelson Cavaquinho




Simba é descarado. Não é difícil reconhecer um, quando se também o é.

Foi todo um martírio - mais a mim que a ele - toda essa estória de reclusão e celibato. Nunca imaginei... Metê-lo num cárcere... Que cousa!


Um dia após o outro, pela manhã e pela noite, visitava-o no canil, encontrando-o sempre por onde estivesse mais empoeirado e mataguento; na maioria das vezes, sanguinolento. Se eu limpava aqui, ele se metia ali, cada vez mais sujo e tristonho.




Até arredio. Muito por conta do repelente mágico que eu borrifava, sem dó, em suas áreas chãs, fazendo-o espernear, quase implorando, “Au, au, au!!! (tudo, menos isso!!!)...”. Contrariando as determinações médicas, mas acatando as de Simba, suspendi o uso do spray.





Quanto aos comprimidos, tornou-se cada vez mais astuto, o malandrinho. Descobriu cada artimanha por mim utilizada para fazê-lo ingerir o medicamento. Se era misturado à ração, lá ia, com seu narigão, separar o alimento do balsâmico grão. Quando se acabaram as salsichas, utilizei gema de ovo; depois, molho à bolognesa. Quando tudo acabou, apelei para o chocolate. Que idéia!... Se arrependimento matasse, estaríamos estendidos no chão do canil até agora. Sem ter mais com quê ludibriá-lo, lembrei-me do estilo Zagallo. “Você vai ter que engolir, bro!” - e, abrindo sua bocarra, joguei sua salvação goela adentro. Que logo foi cuspida, em forma de pó branco e gosmento. É, pensei, talvez já seja hora de pôr fim a esse tratamento...

Já eram passados oito, quase nove dias, e percebia-se em seu olhar deseperançoso que já não havia mais limites. E o sangramento, por fim, pareceu ter encontrado seu fim.

Receoso que estava por conta da cicatrização de seu piu-piu, não achei boa a idéia de devolver-lhe à liberdade; uma cã seviciosa qualquer poderia causar-lhe uma dolorosa erupção de prazer. Mas, por outro lado, sua irretocável conduta me convenceu a premiá-lo com um sabor diferente e, improvisando uma corda, ofereci-lhe toda uma varanda sombreada, e também pedaços de quintal, para que ele fosse se reacostumando com os aromas da vida.

Já na manhã seguinte, a corda estava amarrada ao ar. Simba, com toda aquela carinha de bobo, desfez o nó e partiu, na calada da noite, deixando para mim uma sensação de incompetência e trabalho perdido... Mas não fiquei triste; nem um pouco. Talvez por achar que as Leis da Natureza sejam, efetivamente, as que mereçam nosso respeito e devoção.

Para mim, o que chamam “a vontade de Deus”, nada mais é do que a expressão latente de nossos instintos e desejos naturais. O Deus somos nós, e é por meio das nossas próprias determinações que interagimos com toda e qualquer forma de vida, aceitando os carinhos, mas refutando as dores da existência, como uma desilusão amorosa ou a perda de alguém.

Se os instintos de Simba o levassem à morte, não seriam minhas carências as responsáveis por qualquer sensação de tristeza ou lamúria.

E assim os dias se passaram, sem que qualquer sinal de fumaça surgisse ao horizonte.

Numa dada noite, já decidido a não mais pensar no assunto, mas ainda mirando modorrentamente para o imenso saco de ração recém-adquirido (ô, natureza mesquinha!), senti uma nhaca de carniça; poderosa! E do lúgubre de uma noite sem estrelas, me aparece aquela carinha safada e fedorenta, cheia da mais pura culpa canina. Olhinhos submissos e grunhidos melosos completavam a mise-en-scène. Fiz que não era comigo, dando-lhe a porta à fuça.

Qual quê! Quem pode com aquele futum? Abri a porta e vi um cachorro magro e famélico. Tendo acabado de jantar, recolhi os ossinhos de costela do prato a fim de mimá-lo. Atacou-os com ardor. Parecia desenho animado, onde os personagens engolem as coisas sem mastigar, o que me desagrada terrivelmente. Como aqui só tem banho frio, nem passou pela minha cabeça afagar aquela carniça, no que fechei a porta e dei boa-noite.

Tudo o que os pais querem é que seus filhos voltem para casa. Quando voltam, contudo, fazem bico. É a natureza deles.

Na manhã seguinte, para meu espanto e insatisfação, recusou a ração. Fiquei puto. Mas, tudo bem: que ficasse com fome, mas não fedido. Hora de banho no Corguin! E seguimos, como nos velhos tempos, eu e Carniç..., digo, Simba, rumo ao rio.

Nem um ou dois, mas o equivalente a três banhos, foi o que lhe dei, deixando-o muito contente. Seu sangue sobe e uma criança se apodera do seu ser. Aproveitei eu também para mergulhar muito, deixando com que meu corpo penetrasse a flor d’água, sendo levado pelas leves correntes, até tocar uma rocha, bem levemente... Depois, apoiado na cascata, meditei gostoso, por longos momentos.

Já no caminho de volta, trocando idéias com ele, fui tomado, subitamente, por aquela sensação de bem-estar que todo mundo sente de vez em quando, ainda que sem saber bem porquê.

Como que por sintonia, Simba, ao aproximar-se de casa, saiu em disparada, indo atacar a ração anteriormente rejeitada. Estava cheio de fome o danado! Ele sabe que eu adoro aquele roc-roc...

Já de barriga recheada, nos provocamos um pouco pelo quintal, até que o deixei relaxar, de banhinho tomado, bem alimentado e cansado. Fazer carinho em alguém limpinho é o que há. E foi o que fiz, ao longo de todo o dia; muito carinho... A cada instante, uma reconquista.

Hoje, Simba já não amanheceu aqui. Esgueirou-se para a zona do baixo meretrício, em alta madrugada, a fim de comemorar os resultados do futebol. Esperei-o pela manhã e pelo início da tarde. Não veio.


Há pouco, para minha tranquilidade, o carteiro passou por aqui, deixando um telegrama que assim latia:

"“Vou partir, não sei se voltarei,
Tu não me queiras mal,
Hoje é Carnaval...
Partirei para bem longe,
Não precisa se preocupar,
Só voltarei pra casa
Quando o Carnaval acabar...”

Assina: Simbólico
"




Expreguiçando-me na rede, joguei o envelope sobre a mesa ao lado e matutei... E decidi
rebatizá-lo Nelson Cavaquinho!






.




10 comentários:

Pollyana Maria disse...

Ouh, gente, mas que foto mais tchucutchucuzinha do Simba ... Suas estórias com ele estão me inspirando para tentar uma nova relação com Shalana, minha querida cadelinha SRD.
Um beijo!

Unknown disse...

Po, você falando assim pareçe que fica o dia todo em casa.

Esses relatos acontecem em um final de semana?
hahaha

O Maltrapa disse...

Harry, já falei ao Planet que onanistas também são bem quistos por estas searas, mas só se ficarem quietinhos... Tá parecendo minha nêga, querendo saber o que faço ou deixo de fazer!

Abração!

O Maltrapa

O Maltrapa disse...

Pois é, Popó, que esta estorieta acabou por tocar o coração de muitos, mesmo sem a intenção; coisa boa, essa! Trate Shalana com carinho. Apesar do nome, ela também merece respeito! Hahahaha!!!

Beijão,

O Maltrapa

ps: dentro de uns minutinhos, vou agregar um videozinho maneiro sobre o caso.

Ilíada disse...

Olhe, vou te contar! Não se fazem mais blogueiros como antigamente. Que estratégia "marketeira" foi essa?! Primeiro, ampla divulgação mencionando a postagem de um vídeo inédito, com cenas de carinho explícito. Depois tudo se foi! Sumiu com o prometido! Como assim? Que bagunça é essa? Cadê a gerência desta "bodega"?!

Brincadeiras a parte, Jony o texto ficou jóia. Prefiro o primeiro, mas o trecho "não fiquei triste; nem um pouco. Talvez por achar que as Leis da Natureza sejam, efetivamente, as que mereçam nosso respeito e devoção" valeu por todo o resto que deixei de gostar como deveria.

Bjocas e muito grata por mais essa pérola!

Flavinha

O Maltrapa disse...

Hahahahaha!!! De fato, Dona Ilíada, estou colocando em prática todas os artifícios marqueteiros que conheço para cooptar novos incautos a peregrinarem por este blog, mas já fui descoberto na primeira empreitada... Vou ter de mudar a estratégia.

Por enquanto, apenas afirmo que tentei fazer o blog aceitar o vídeo, tanto quanto fiz Simba aceitar os remédios, mas era "too heavy". Ainda não me dei por vencido. Aguardemos, pois.

Beijão,

O Maltrapa

Tita disse...

Quem me dera ser simba por um dia ou dois ou três, soltar-me das minhas amarras diárias, encontrar-me numa "varanda sombreada" e "pedaços de quintal" e, no retorno, encontrar braços, abraços e comida ("você tem fome de quê?"). Beijo,Tita

O Maltrapa disse...

Pois não é, cara Tita, que tô a própria mulher de malandro? Hahaha!!!

Malandragens à parte, o mais importante é saber que, pelo menos na hora do reencontro, o amor entre os seres é eterno.

Beijão,

O Maltrapa

Roseane z disse...

Uma com amiga em comum "presentou-me" com este blog (palavras dela).Confesso que cá entrei, para não fazer-lhe desfeita.Mas agradavelmente fui surpreendida.Gosto dos seus escritos , inutensílios e bruxarias.Gosto de ouví-lo , com o perdão da metáfora!Parabéns!

O Maltrapa disse...

Senhorita Z,

Na vida, as surpresas -sobretudo as agradáveis-, são o que graça dão a ela.

"Inutensílios e bruxarias"... Hum, hum; também gostei dos seus escritos!

Seja sempre bem-vinda!

O Maltrapa