sexta-feira, 3 de julho de 2009

Para não dar Zebra, aposte no Gato!


Caso haja uma contenda entre os piores motoristas do planeta, sei que estarei entre eles.

E mesmo que não haja, não preciso do reconhecimento do júri; meus passageiros expressam essa certeza – não pela fala, senão pela sua ausência. Não sou sádico, mas é até divertido perceber um sutil arregalar de olhos. Rio em silêncio, hehehe...

Apesar de péssimo motora, sou ótimo piloto, e muito cara de pau, pois me dou ao direito de regurgitar “orientações” quando viro passageiro. “Vira aqui!”; “Passa pra outra pista!”; ou “Você não acha melhor ir pela L4?” são algumas das minhas frases mais recorrentes. Se me olham feio, apelo para a velha deixa: “Só estava querendo ajudar...”.

Pois ontem fiquei na mão.

Havia tempos uma amiga reclamava por uma vaga em minha agenda a fim de discutir um assunto de interesse profissional. Queria ela marcar um almoço, que tive de postergar duas ou três vezes, atribulado que estava pela minha eterna falta do que fazer.

Foi o tempo d’ela entrar no carro, arrancar e... TOF! Lá se ia o cabo da embreagem! Mardita paratosa; tão novinha, tão idosa.

Sorte que tenho amigos! Um deles se chama Mecânico, e sempre me ajuda quando preciso. Cobra caro, mas ajuda. Pois Mecânico por lá passou e com meu carro se mandou. Pela primeira (e, creio, última) vez em minha vida, tive de apelar para um TX para ir labutar.

Eu, um campesino urubuzino, ex-soldado limpador de bunda de cavalo, chegando à mais distinta e respeitada Casa da República num táxi – vil símbolo de ostentação pequeno-burguesa -; ó, que vergonha... Ainda bem que meus camaradas cubanos não lêem o blog do Maltrapa – seria muita queimação.

Já na manhã de hoje, tinha de ir à UnB e, claro, não tinha carro. Atrasado que estava (novidade!), apelei à Marcya para uma carona.

Logo adiante, um Zebrinha faz “perigosa evolução” no meio do balão, freando bruscamente. Ela, prudente como deve ser todo motorista, não o ultrapassa, no que eu, já todo espevitado, digo que ela não deve NUNCA parar atrás “desses caras”, que são uns irresponsáveis e coisa e tal. Pra piorar, o cara ainda dá aquela acelerada gostoooosa, arremessando uma nuvem preta que cheirava a diesel velho bem na nossa fuça!

Num átimo, somos capazes de criar monstros em nossa mente. No trânsito isso é instantâneo, e eu já havia transformado o motorista do ônibus num deles. Um mau-caráter, abusado e sem-respeito.

Ao o ultrapassarmos, porém, olhei para ele e, no tempo que dura um retorno, “fiz” um novo personagem. Era um neguinho de vinte e poucos anos, de cabelo batido e óculos escuros – estilo Ray Charles quando mais esbelto (ainda que, reconheço, nunca tenha deixado de sê-lo). Usava também luvas pretas, de couro, bem ao estilo do nem tão esbelto Michael Jackson. E estava na maior felicidade, batucando na perna, como se estivesse desbravando a L2 cavalgando num potro garboso! Fiquei feliz por não tê-lo ofendido.

Duas horas mais tarde, em pleno meio-dia, enxergo um Zebrinha chegando à parada. Estamos eqüidistantes. Inicio o sprint. Ele chega primeiro, mas me espera.

Entro, mezzo suando, mezzo bufando, e troppo apertado. O Zebrinha se tornou uma caixinha de sardinha aos joelhos meus. A senhora ao meu lado até tentou se espremer, mas tinha ainda muita perna atravancando o corredor. E assim descemos L2 abaixo.

Enquanto passávamos pelo Parque Olhos D’Água, já mais tranqüilo, olhei para o motora. Não, não era o neguinho feliz daquela manhã. Mas era como se fosse.


Pensei em como seria constrangedor encarar aquele que, momentos antes, a mim parecia ser um mau-caráter, abusado e sem respeito. E me senti verdadeiramente aliviado por não ter me expressado de modo tão infeliz e grosseiro.

Repito, não era ele; mas e daí...?

6 comentários:

Ilíada disse...

Caracolis João!
Nunca pensei que pegar um simples taxi, instrumento de trabalho de um cidadão - comum trabalhador como tantos, como nós, inclusive - fosse símbolo de tanta coisa. Como você mesmo disse “vil símbolo de ostentação pequeno-burguesa”.

I'm realy sorry e espero que você não seja, nunca mais, submetido a esse tipo de malfadada experiência!

De toda sorte, penso que alguém que tem sensibilidade para repensar imagens, como a dos policiais “porcos fardados”, a do "motorista aloprado de zebrinha" e tantas outras, também consegue repensar essa imagem dos taxistas.

Antes de qualquer tentativa de nova adjetivação (no popular, antes que você me venha com essas colocações malucas de refugiado do Regime Socialista de Stalin), não estou aqui como defensora da categoria ou coisa parecida. Apenas acredito que a mesma pessoa que consegue ter a nobreza de sair do seu pedestal intelectual para orientar policiais rudes sobre a importância do respeito e da gentileza (gentileza gera gentileza), pode usar essa mesma sensibilidade para classificar e adjetivar as coisas simples desse mundo, as coisas simples da vida!

Salamaleico, querido!
Flavinha

O Maltrapa disse...

Querrrrrida Ilíada, eu adorrrrrrrrra as taxistas!!! Prrrincipalmente as morrrrrrenas... Nham,nham!

O Maltrrrrrapa

Yavuska!!!

LudiNDO disse...

Daí que:
Vivemos nessa farofa danada, onde somos os grãos enquanto, poucos, são a boca.
Engolidos diariamente, pela pequena ilusão de bem estar dada pelos "pais" desta sociedade mal criada.
Os rebeldes -como você- foram criados pelo mundo de outros rebeldes e enfim conseguriram reconhecer sua força mas, os filhos castrados de "rebeldia" e questionamento,encantados pelo descartável, esses ficaram soltos e cegos dentro da mesma "penitenciária" mental.
O motorista é fruto deste "pai" castrador, está em confinamento, não sabe o que faz...
Socorrooooooooo...

Marcya disse...

Creiemdeuspainossssenhoracruuuuzes - ainda bem que sou ateísta! O texto que li me teletransportou aos dez anos de idade, para a frente da tevê, no que assistia a um desenho que nunca esqueci: http://www.youtube.com/watch?v=cfnrHz_gM20. E acho que isso explica tudo!
;o)))

Marcya disse...

Ou pelo menos explica muita coisa...

O Maltrapa disse...

Atenção, pessoas de bem, acho que tá todo mundo "um pouco certo" no que diz; é um pouco por aí mesmo... Só não entendi ainda o que Dona Ilíada tem contra as taxistas!...