segunda-feira, 15 de junho de 2009

Injusto e Desigual




Nos era servido um belíssimo almoço! Havia um ano eu não aceitava esse convite. Achei rude o anfitrião de então, no que esperei pela recuperação de seu bom senso para lá poder retornar.
Fui de chapéu como que para homenageá-lo. E para tal foi o brinde ofertado, quando também agradeci sua cordialidade e ocasião.

Havia caranguejo desfiado e risoto de camarão, acompanhados de farofinha crocante e jambu - uma erva do Norte que deixa a boca meio adormecente. Delícias que desciam melhor com um suave vinho tinto d’Italia. A tarde corria leve, serena, mas ainda assim, sentia-se no ar o refluxo de algo um pouco mais pesado que o simples fim do domingo.

O anfitrião não demonstrava ter aprendido nada. Nem melhorado de todo. Sua aparência é visivelmente contrária aos seus anseios. Imagina-se no topo. Porém, da rasura da cova em que se encontra, todos o vêm, boquirroto; só ele não enxerga a ninguém, absorto.

E dá esporros ao léo, em profusão.

Mesmo quando só quer falar, grita. Sinto pena dele, mas pouca - como a admiração, que um dia já foi maior.

Certamente há uma preocupação em receber bem a todos. O caldo de feijão – esquentado e servido por ele – não deixa dúvidas quanto a isso. Mas parece haver também o desejo em deixar patente a insatisfação para com a peça que o destino lhe pregou.

- Caldinho de primeira, hein, parceiro? – diz, em tom opressor, ainda que amoroso.

Não há como relaxar em sua presença... Mas ignorá-lo é pior do que xingar sua mãe. Ao ignorá-lo, ignora-se sua luta, ascensão e queda. Sua dor. Seu momento “injusto e desigual - como a vida do sertanejo” (conforme me revelou no único instante em que trocamos alguma impressão pessoal). Ele não gosta da plebe, ainda mais quando insubordinada. Rir e divertir-se sem prestar a devida reverência é traço de rebeldia intolerável.

Quando repeti o delicioso prato pela segunda vez, desacatando o ritmo ditado pelo anfitrião, incorri em erro. Solitariamente, do sofá, ele já convidava a todos para o cafezinho. Não importa que alguns ainda comessem, visto que ele já havia terminado.

Foi quando meu sobrinho, de apenas três anos, finalmente aceitou uma "culelada de calanguejo" que seu pai lhe oferecia, e eu, num viés pedagogicamente ambiental, passei a “relatar” como o bichinho havia ido parar ali. Fiz menção ao feliz crustáceo que fora desafortunadamente caçado pelo homem mau, tendo ido parar em nosso prato dominical...

- Até que vem um BABACA e come o caranguejo! -, vociferou o anfitrião, aproximando-se com seu habitual determinismo, olhando em minha direção.

Ao meu lado, eu tinha uma convidada que nunca havia estado ali, no que, a fim de poupá-la, a última coisa que me passou pela cabeça foi revidar a grosseria. “É o que alguns dizem...” -, repliquei.

A comida perdeu o gosto, e a tarde, seu sentido. Nem o 5x0 que meu time tomou foi tão azedo e desnecessário como aquela demonstração de infelicidade explícita.

Fui embora sem que nos despedíssemos.



photografie: marcya reys

13 comentários:

Unknown disse...

li e suspirei... solidária.

O Maltrapa disse...

E mesmo esse texto, Virgínia, é também um ato de solidariedade a quem precisa. Beijão.

O Maltrapa

Márcio disse...

Duras e belas palavras, Lima Santos!

O Maltrapa disse...

É antes triste do que dura a missão de se escrever um texto assim, Contreiras... E também necessária.

O Maltrapa

Lívia Vitenti disse...

Eu vou sempre te receber com sorrisos tá! E se você voltar a Montréal eu vou pessoalmente pescar um caranguejo quebécois(?) dans les Îles-de-la-Madeleine! Assim a gente assegura seu lado ecológico e você nao come produto de pesca predatória!
Bisous d'amour

O Maltrapa disse...

Beleza, Lívia, mas vou querer três pratos de caranguejo e um só de siri catado... Tem siri no Quebèc?

Beijão,

O Maltrapa

Lívia Vitenti disse...

Hum, siri... só se for sirrí! Na falta de siri eu te preparo um esquilo na brasa que fica DI-VI-NO!

Moema Brasil disse...

Pesado, hem, Joao!! Mas, se aliviar o peso, beijo no coração!

O Maltrapa disse...

Nem só de goleadas são feitas as tardes de domingo, né, Brasil?

Beijão,

O Maltrapa

Semi-alfabetizada disse...

quem serve risoto e arroz só pode estar mal intencionado.

CausosContosPoesia&Sol disse...

Jonjon,
Imagino que este almoço de domingo tenha sido terrivel, para que a goleada que o Flamengo tomou não tenha sido tão amarga...
Acredito que o antídoto apara a infelicidade é sorrir, não por sermos bestas e aceitarmos as grosserias do mundo, mas por sermos amorosos e saber que podemos adoçar o amargor que escorre dessas vidas. Seus textos são sempre ótimos, mas não se deixe envenenar, use seu antídoto, escrever, reagir e sempre SORRIR.
Vou fazer um ovinho delicioso pra vc...e de preferência acompanhado da vitória do Fuderozão.bjos cheios de amor

O Maltrapa disse...

Hahaha! Vale-vale, você tem toda razão! Mesmo eu, quando relia o texto, sentia que tinha algo errado, mas não me toquei do óbvio: não era arroz branco, mas FAROFA! Hahahaha! Temos de desculpar o anfitrião (quanto a isso, claro). Valeu pelo toque!

O Maltrapa

O Maltrapa disse...

Inaê Salsa, curioso você falar em antídoto, pois foi justamente este o raciocínio que tive ainda ontem; o de transformar, pelo texto, o ruim n'algo bom. Beijos mil.

O Maltrapa