quinta-feira, 28 de maio de 2009

Minha Primeira Paixão






Mesmo
não assumindo qualquer culpa, e ainda que

lamentando, o fato é que não tenho como revelar o nome da minha primeira
paixão. Se o soubesse, é provável que viesse a se tornar também o nome de minha
primogênita. Mas não sei. E se nada sei, ao menos sinto; e das sensações, não
me esqueço.








Ela era professora do Jardim de Infância da 302
Norte, em Brasília.

Teria vinte e poucos anos e parecia, aos meus olhos, a mais bela e doce mulher

da Terra.






Só não gostava quando falava num certo amigo que seguidamente a buscava em sua
motoca possante. Sempre que isso ocorria, meu coração

se contraía em ciúmes... Que ela parecia não notar, pois costumava relatar tais

caronas com flores na fala. Eu não me sentia de todo magoado, mas cada vez mais
apaixonado. E me continha numa espécie de resignação calculada, própria dos que
tem por certa a vitória final.






Não havia dúvidas de que nossas penetrantes trocas de olhar

sugeriam um futuro de plenitude em gozo e satisfação! Para tal, bastaria

a declaração apaixonada, no momento adequado, para receber em troca sua

recíproca, ato contínuo. Por ora, procurava ludibriar meus colegas e

possíveis concorrentes quanto às minhas reais intenções; eles não perdiam por
esperar...






Lembro-me perfeitamente desta tarde, quando os primeiros

passos foram dados nesse sentido. Faltavam ainda alguns raios de sol até que o
céu escurecesse por completo, quando a professorinha reuniu seus aprendizes bem
à sua frente, a fim de contar-lhes uma historinha. Sentada numa cadeira, nos
chamou a atenção, dando início à aventura: “Agora todos olhando aqui para a
tia!”...  E eu, camaradas, era um dentre tantos pimpolhos e não tinha nem
seis

anos completos, mas aquela mulher era tudo pra mim! Eu sabia, veladamente, que ela
estava ali, naquela sala de aula, por minha causa; simples assim.






Ajoelhei-me comportadamente aos seus pés – que é o mínimo que se espera de um
homem apaixonado- e pus-me a escutá-la. Tratava-se de uma

fábula, porquanto lisérgica e nonsense. Começava com um

alicate que, perambulando pelas estradas de um belo bosque, acabou conhecendo uma
escova de cabelo, de quem se tornaria grande amigo. Unidos, seguiram arregimentando
companheiros exóticos, tais como “o” óculos e o urso de pelúcia.






Eu, completamente entregue (com a boquinha aberta), ia imaginando o

ursinho todo escovado, de óculos, tomando sol, mas não conseguia achar uma

função para o alicate. Meus coleguinhas, do mesmo modo, permaneciam encantados,
apesar da total falta de sentido de tudo o que a tia nos contava. Pouco afeito que
sou a fazer parte de um rebanho, fiz uso da minha arguta sensibilidade e percebi
que era chegado o momento de agir...






Era necessário fazê-la compreender, de uma vez por todas, que o

caminho estava livre! Não que fosse algo simples; antes, o contrário:

revelar-se ao objeto de desejo é uma experiência vulcânica. É sentir o sangue

virar lava e o sistema nervoso derreter, fazendo acalentar até o lobo orelhal.

Trata-se de uma inflexão irreversível no porvir das coisas, ao estilo “nada

será como antes”. Muito embora nesse aspecto o sucesso ou o insucesso da
empreitada não nos impeça de sair incólumes, pois nos tornamos, a partir dele,
inexoravelmente mais maduros.






Então, iniciei uma aproximação geográfica, galgando árduos

centímetros que, conquistados, provocavam batucadas retumbantes em meu

coraçãozinho pueril... Indescritíveis pensamentos tomaram minha mente
inocente quando encostei minha Conga vermelha (o azul era para gente grande) na
sandália dela. Imaginei que, a partir dali, tudo me seria permitido. E me
assustei quando soou pelo vão central da escola, o toque estridente da sineta
que alardeava o final do período vespertino.






Meus coleguinhas despertaram da hipnose coletiva antes que eu

pudesse acreditar que meu plano fora sabotado, sem aviso

prévio ou indicação aparente – exatamente como os surpreendentes desenlaces do amor...
Mas, como assim?! - Que fim levou o urso de pelúcia? Cadê a lógica da estória?
-, eu me perguntava, ainda sentado no mesmo lugar, ciente de que

chance igual os cupidos não haveriam de me dar.






Boicotado pelo sino, mas salvo pelo congo, ora, pois! No

derradeiro momento, antes que a balbúrdia tomasse conta da classe, ela nos

informou que a sequência da historinha teria vez na aula seguinte, exatamente à

mesma hora. Ganhei o dia!






Fim de tarde é um momento especial em qualquer jardim de

infância. É quando se pode escutar o alarido vindo do pátio que revela a

contundência da percepção infantil da realidade em relação à própria

existência: gritaria, correria, risada e felicidade; eu não precisava de mais

nada!






E assim, vibrando de todo e com meu contumaz ímpeto, logo me

juntei ao bando de garotos alucinados, escapulindo porta afora em total

dispersão pelo pátio da escola. As meninas preferiam esperar, saindo depois,

mais calmamente, junto com a tia.







Num átimo, antes de imergir numa outra realidade, ainda tive

tempo de pensar em como reagiriam todos quando assumíssemos a relação. Seria necessário
demonstrar segurança a fim de evitar que minha tia/namorada

declinasse ante as críticas que certamente surgiriam advindas dos setores mais

conservadores da provinciana sociedade candanga...







































7 comentários:

Semi-alfabetizada disse...

meu conga não é vermelho, mas quero muito saber que fim levou o ursinho de pelúcia.

Caci Sassi disse...

Lindas reminiscências.. tou até vendo esse conguinha vermelho que esbarrou na sandália da tia.. e a hora da saída, hunmmm, quê delícia!

O Maltrapa disse...

Hahaha!!! o ursinho fugiu para a floresta com o indiozinho!!!

O Maltrapa

O Maltrapa disse...

Mamita, se gostou das reminiscências, confira o final!

Beijos,

O Maltrapa

Lívia Vitenti disse...

Sabia que minha primeira paixao também foi uma professorA! E sabia que eu também estudei na 302 norte, um pouquinho de pois de você? Com certeza nao era a mesmo tia, senao ela seria realmente um mulherao de parar multidoes!
Mas eu nao assediei minha tia, nem tenho memórias tao vivas da época! Mas eu lembro com orgulho que ela foi a um aniversário meu na minha casa! A sua foi em algum aniversário seu?

O Maltrapa disse...

Se ela tivesse ido ao meu aniversário... Hahahahaha! Pobre motoqueiro; eu traçava na hora!

o Maltrapa

Moema Brasil disse...

Sem querer menosprezar o texto, mas o desenho no paint foi a melhor parte!!!
bjs