sexta-feira, 17 de março de 2017

A Solidão das Madrugadas

Zé Bigorna, flagrado num carpado lateral.


    O choro do bebê invade meus sonhos e dá leveza à minha cabeça, antes afundada no travesseiro. Desperto. O silêncio momentâneo engana – me reacomodo -, e o neném novamente reclama. São 2:43 a.m.

    Ao meu lado, a mãe dorme profundamente. Desde o desmame noturno, quando ela iniciou a tentativa de recuperação das horas de sono que perdera nos quatorze meses anteriores (sem contar o período da gestação), não escuta mais os choros da madrugada. O cérebro dela sabe que eu tô na parada e desliga. Me sento, dou uma suspirada conformada, procuro pelas meias ao pé da cama e saio tateando a parede, até alcançar a maçaneta da porta. As meias são fundamentais porque me dão pés de gato para escapar em silêncio.

    Entro no quarto e me aproximo do berço; só então vejo que Zé Bigorna está sentado – mau sinal -, e chorando de sono – bom sinal. Ao identificar minha voz, interrompe o choramingo para declarar sua vontade; “mamãe...”, no que emendo “tá dormindo” e, deitando-o sob lamuriosos protestos, engato uma canção inventada na hora, enquanto vislumbro meu dia seguinte esvair-se em sonolência e cansaço. Nas letras, incluo sempre seus colegas de crime (i.e., os marginais da creche), além de muita ação com a bola (que rola) e com a vovó (porque é oxítona terminada em ó). Pego de surpresa por tantas referências frescas ao seu cotidiano, ele silencia, vira-se de bruços e, antes de saber quê ou por quê, adormece. Eu também; em pé.

    A tensão para sair, em silêncio, fechar a porta, em silêncio, dar uma passadinha no banheiro e fazer xixi, em silêncio, caminhar até quarto sobre o chão de madeira que estala, em silêncio, e me deitar na cama que geme, sem acordar a mãe, em silêncio – isso é que me desperta, no que por vezes recoloco a cabeça no travesseiro quando o sono já ficou perdido pela casa. Tenho de buscar pelo nada absoluto se quiser voltar a dormir. A tática do travesseiro sobre a orelha costuma funcionar contra eventuais roncos de motor ao longe, o que indicaria a proximidade do nascer do dia. Sinto calafrios quando escuto o “baú das cinco”, que chacoalha a madrugada trazendo trabalhadores do Paranoá para o Plano Piloto.

    Quando o bebê acorda outra vez, pode se pensar que não se passaram nem 5 minutos, e em verdade foram quase duas horas. Nem mesmo havia se estabelecido, o sono é interrompido, ainda raso, dando um nó no pensamento da gente, misto de ódio e conformismo. Precipito para o quarto de Zé Bigorna. Parece que ele se espremeu na quina do berço, e isso o acordou. Mamãe me cobra há meses para transformá-lo em caminha. Ai que sono... Nunca dá tempo. Ajeito o menino cá embaixo, cubro (sinto amor), passo a mão na barriguinha e tento me lembrar como era a melodia da canção de há pouco. Não lembro. É fundamental cantar alguma coisa logo para captar sua atenção, ou o choro fica forte. Enumero então todos os nomes que me vem à cabeça e, após algumas viradas e remexidas, ele finalmente volta a dormir. Percebo que dessa vez me esqueci das meias. O piso emborrachado me faz prisioneiro. Ele se mexe ainda mais algumas vezes antes de se ajeitar num aconchego que parece ser duradouro, ressonando gostosamente. Prendo a respiração. Tiro meu pijama e faço uma trilha até a porta do quarto. Atiro a cueca no chão e pronto; liberdade!

    Volto para a cama, dou uma espiada para conferir o nível de luminosidade que entra pela porta que dá para o pátio interno, rezando para que esteja tudo muito escuro lá fora. Quando não está, vindo até acompanhada da zoada de umas maritacas, bate um certo desespero; mas que fazer? 

    A mãe continua dormindo.

7 comentários:

Édio Fedrigo disse...

Tenho certeza que esse soninho é muito bem acompanhado de uma boa vigília, algo como você não pudesse tirar o olho do "Zé Bigorna", pois é como ele fosse acordar se assim não fosse.
Ter um filho, como diz o jargão, é padecer no paraíso.
Segure a onda aí, meu irmão, e cuide muito bem desse pimpolho que é a sua maior alegria nessa vida!
Um grande abraço pra você, papito, para mãe que ainda dorme, e um cheiro no moleque.

CausosContosPoesia&Sol disse...

Que lindo papai.
Que papai Lindo.
Esses momentos em que o solo dorme o tempo ronrona, são enfim, aqueles que nosso amor se multiplica e grita no silêncio do toque, das lágrimas e do sono ( que sempre nos acompanha). Lembro, quando as minhas eram pequenas, como era bom observa-las no silêncio da madrugada, como era acariciar seus rostos e seus cabelos revoltos, com medo de acorda-las, mas ao mesmo tempo desejando compartilhar o silêncio com elas (impossível). O querer de um sono tranquilo é maior para eles do que para nós mesmos, apesar de qualquer cansaço. Aproveite, JonJon, pois o tempo voa, e breve não terá estes momentos tão intensos de tudo, de amor, ternura e proteção. este nosso menino abençoado é, Pela própria natureza, e pelos pais que tem....Lindos você, Zé Bigorna, mamãe e o texto.
Receba meu amor, a distancia não o diminui.

Adriana Ramos disse...

Troca logo o berço pela cama. Você vai ver que faz uma grande diferença! Eu demorei, minha filha com 2 anos acordava toda noite por bater as pernas e mãos no berço!

Márcio disse...

Se precisar de ajuda para fazer a mudança de berço para cama, pode me convocar!

Abração do Dindo.

marcyaejoao disse...

Nunca cheguei ao ponto de tirar a cueca mas a identificação é total. Filho a filho fui num adestramento progressivo de ambientação natural: fui acostumando a criança a dormir com um Barulhinho para não ficar escrava do silêncio (sonho de consumo muitas vezes inatingível)

Caci Sassi disse...

Lindo, meu filho, me vi nessa viagem, repetida com cada um de vocês, cada uma diferente, mas na essência iguais em desapego, força de vontade e extrema gratificação com cada batalha vencida. Te amo e estendo para JV e Marcinha..

Wilson Vianna disse...

Seu filha da mãe... me fazendo amolecer logo de manhã?