quarta-feira, 28 de maio de 2014

Em Brasília, policial é flechado por índio!


Reza a máxima do jornalismo que a notícia não ocorre quando um cachorro morde um homem, senão quando este morde o cachorro. Foi certamente com esse ensinamento em mente que o apresentador do Jornal Nacional, Willian Bonner alardeou a seguinte manchete: “EM BRASÍLIA, POLICIAL É FLECHADO POR ÍNDIO!”.  

As imagens do embate entre as tropas do governador do DF e os “silvícolas” são exibidas em câmera lenta, com recursos visuais que dão ênfase à flecha de um selvagem atingindo um homem civilizado – que audácia! Uma cena inacreditável para os primórdios do terceiro milênio; a cavalaria atacada por uma chuva de flechas, a duas semanas do maior evento esportivo do planeta! A úlcera do Blatter pulsa!

Ao Homer apavorado que a tudo assiste do conforto do seu lar, não importa noticiar que uma tropa de choque, a cavalo, fortemente armada e adestrada para espancamentos aleatórios, se interpôs barbaramente entre os manifestantes e o Estádio Mané Garrincha, mas somente que a Capital do País está sob ataque indígena! Balas de borracha, lapadas de cassetete nas costas e bombas de gás sobre a população não são notícia.

Por ser centenária, a agressão cometida pelo branco contra o índio não é e nunca foi motivo de muito alarde. Os que não sofreram genocídio sofrem, cotidianamente, covardes ataques físicos e brutais perseguições morais dentro de um país que se diz de todos os brasileiros. Fenômeno este que se repete no Brasil desde a chegada da primeira caravela cabralina, foi replicado por imperadores e republicanos, ditadores e tucanos, e que hoje encontra eco na ação criminosa de ruralistas que, sem o menor constrangimento, dividem a mesa de jantar do Palácio do Planalto com a presidenta petista, decidindo os rumos do Brasil Celeiro.

A poucas centenas de metros da pancadaria, se exibia em puro ouro a taça da Copa do Mundo, para deleite da cristandade local. Idolatrada pela massa alienada que a adorava, é possível imaginar que a turba de selvagens que subia o Eixo Monumental quisesse destruir aquele símbolo de poder pagão, assim como o fez Moisés com o bezerro dourado, após receber das mãos do Senhor sua santa missão.

Em tempos de Copa, porém, Deus não é juiz e não apita nada por aqui; quem entende de mandamentos é a FIFA, quem obedece como um bezerro é o Estado Brasileiro, e quem é destruído são os direitos da população, indígenas ou não.

Eu queria muito que essa Copa fosse fruto de um governo totalitário, de direita, bem reacionário, para que eu pudesse encher a boca contra toda espécie de arbítrio cometido, cheio de razão. Mas ela é fruto dos novos tempos; tempos em que a esperança venceu o medo e que um torneiro-mecânico virou presidente; tempos de muita concessão já feita ao patriarcado tradicional; de muita mão beijada e enfiada na merda; de muita gente engordando, enriquecendo, fazendo a barba ou ensurdecendo.  Tempos de Belo Monte, Monsanto, agronegócio e retrocesso ambiental. De morte no campo e de jovens indígenas baleados e abandonados à beira de estrada vicinal.

Tempos, afinal, em que nosso servil Bebetinho, trajando o uniforme vermelho da multinacional, embala a Taça nas mãos e agradece à Coca-cola por fazer o “Tour da Copa” e permitir que todo brasileiro “sinta essa emoção”. O bom baiano, ou sabe mais que a gente, ou não sabe de nada, o inocente.

foto&arte: joão sassi

11 comentários:

Márcio disse...

Você não acha que nossos irmãos indígenas - que naturalmente têm toda razão em lutar por seus direitos - foram usados nesse episódio pela galera que quer tocar o terror antes e durante a copa para deixar particularmente mal a presidente candidata à reeleição? Minha leitura básica é essa.

O Maltrapa disse...

Não, não acho. Acho que eles foram atrás do que daria visibilidade à causa; há 2 dias não havia tanta gente ciente de que os índios estão levando ferro dos ruralistas, com o apoio do governo. Onde já se viu, não poder mais protestar porque estará sempre, direta ou indiretamente, favorecendo a este ou àquele agrupamento político? Um petista disse no FB que esse tipo de protesto favorece aos ruralistas... Ora, os índios não estão tendo vida mansa há 5 séculos, e agora tem de esperar a Copa acabar para protestar? A presidenta não está dando nenhuma pinta de que tenha compreendido a tragédia indígena no Brasil, e agora não quer levar a culpa? Por isso discordo dessa sua premissa.

Abração do Maltrapa!

Anônimo disse...

Vi uma foto de um índio com um tênis da Nike modelo super novinho, sera que era um índio mesmo?

O Maltrapa disse...

Hahaha! Qualé, Zé de Abreu; vem visitar o Maltrapa e nem assina a lista de presença?

Abraço forte!

Márcio disse...

E quem compreendeu a tragédia indígena no Brasil, escriba? Certamente nenhum político, nem sua amiga Marina.

Vou além: nem Darcy Ribeiro, nem nenhum dos irmãos Villas Boas, nem nenhum antropólogo. Quem se arvorar a dizer que domina essa questão estará sendo totalmente leviano, pois ela é bem mais complexa do que aparenta ser.

As lideranças indígenas não podem ser inocentes a ponto de achar que, com a imprensa e os políticos que temos, terão sucesso em qualquer tipo de manifestação que fizerem, independente do lugar ou do uso ou não de violência.

O Maltrapa disse...

O texto não trata de interpretação de quereres, Márcio, mas da constatação de fatos. Ou você acha que representar 3% de uma população, quando já se foi 100%, mereça alguma outra interpretação que não a de genocídio e desrespeito ancestrais?

Não estou discutindo antropologia, mas história. Como antropólogo, sinto dor, pois não há o que interpretar diante da covardia da qual, em última instância, somos representantes, enquanto "brancos" citadinos ocidentalizados. Sim, a situação é bem complexa, e isso não se discute; tampouco as condições desumanas as quais estão submetidos nossos parentes.

Quanto à estratégia utilizada, se Raoni não fosse alçado ao estrelato por Sting, há 30 anos, a Amazônia seria ainda menor do que já é. Sobre o embate no Mané Garrincha, todas as capas de jornais internacionais deram o assunto. O mundo está olhando. Não vejo nenhuma inocência nisso.

Márcio disse...

É justamente no sentido do marketing, da divulgação na "grande imprensa" internacional que os índios entram muitas vezes como boi de piranha. Afinal, manifestação apenas de sem teto nunca vai dar foto no exterior.

Tenho curiosidade para saber: quem estava em maior número na manifestação, índios ou sem teto? Na linha de frente do confronto com a polícia só vi nas fotos os irmãos indígenas. Ninguém dos sem teto. O fato de um índio ter flechado a perna de um PM pode ser até positivo no exterior, mas aqui no Brasil não terá essa conotação. Será explorado negativamente pela imprensa, ruralistas, etc.

Não encontrei ainda uma lista das reivindicações de demarcações de terra. A maioria deve ser muito justa, menos essa do setor Noroeste de Brasília, totalmente mandrake.

Sou a favor de construções para as classes média baixa e baixa no Noroeste, numa esperança de que Brasília deixe de ser cada vez mais uma ilha de segregação. Agora chamar alguma área ali de "santuário", com índios (raros) que só chegaram depois de 1960 eu não acho sério.

Uma pergunta para o antropólogo: índio tem de ser tutelado ou não?

O Maltrapa disse...

Você expressa sua curiosidade em relação aos motivos e aos manifestantes do protesto de forma capciosa, do mesmo modo que age em relação ao Santuário. Não sei que diferença existe entre os índios haverem chegado após 1960, visto que foi a data de inauguração da Capital Federal - quando, efetivamente, a região começou a ser povoada. Você se ilude com moradias destinadas às classes mais baixas no Noroeste, enquanto eu ainda sonhava com a possibilidade de termos uma cidade que abraçasse um território indígena, coexistindo pacificamente, demonstrando que o brasileiro é um povo evoluído porque miscigenado e integrado. Se o Central Park, que é um super jardim falso, faz tanto sucesso, imagine só uma reserva intocada do Cerrado.

No mais, não entendo sua postura em relação aos parentes, assim como você parece não querer entender a minha. Se quiser consulta antropológica, a gente vai ter de negociar o preço.

Abração,

O Maltrapa

Márcio disse...

Se você se apressa em classificar como capciosa minha maneira de me expressar basicamente por ser ela diferente da sua, qual a validade de qualquer discussão?

Se você se põe na condição de único possível defensor da causa indígena, de único conhecedor do assunto, na base do "ninguém vem ao Pai se não por mim", tal qual o evangelista que te dá nome, qual a validade de prosseguir com um diálogo que eu julgava até saudável?

Retiro-me, assim, de modo cordial, da troca de ideias. Que você possa prossegui-la com outros que não se expressem de maneiro capciosa.

O Maltrapa disse...

Não sei onde está escrito que sou o fodão do Bairro do Peixoto; são conclusões suas. Até porque, deixo bem claro que escrevo baseados nos fatos e nos meus sentimentos, os quais, aliás, você não tem como nem poderia contestar. Não sou eu quem diz, mas a História, Márcio.

No mais, deixe de melindres ou apresente argumentos que embasem seu ponto de vista, de preferência, dialogando com a realidade.

Abraço

Anônimo disse...

O Indígena só estava brincando de caçador.