Galera reunida após longo e tenebroso inverno. |
Foi como o amor: não se sabe muito bem como se deu ao certo, embora se bem saiba agora que muito certo se deu. As mais
belas projeções não seriam capazes de predizer o que sente um adepto
rubro-negro no atual estágio da temporada; tão ou mais feliz que um adolescente
defronte o espelho se arrumando para ir passar uns dias enfurnado na casa da
namorada cujos pais pegaram o último avião para o Nepal – sentiram a intensidade
da emoção?
Se o Mourinho fosse o portuga escolhido,
haveria festa e a magnética se daria
por satisfeita em ganhar o Brasileirão do Parmêra, na rodada derradeira, por um
ponto, e chegar à final da Liberta, ainda que sem favoritismo, tendo ganhado
muitas partidas por 1x0, sem encantar. Caso fosse El Cholo Simeone, idem. Com o Guardiola ou o Klopp (meu sonho de
consumo), as expectativas cresceriam quanto aos placares e quanto ao ‘jogo
bonito’, embora sem a projeção de um time tão aniquilador e encantador (afinal,
o Fla não é o Barça ou o Liverpool). Mas quando se anunciou Jorgito Jesus Crist
no comando, no que teriam pensado os torcedores do Flamengo? Eu mesmo pensei
pitufas, senão um ‘Glória a Deux; melhor que o Abelão ele deve ser!’, pois não
tinha a menor idéia de quem era ou do que ele poderia fazer pelo Mengão. Cheguei
mesmo a suspeitar que pudesse ser uma barca furada, como foram as naus
portuguesas que por estas paragens abarcaram em tempos recentes.
Mas Jesus veio e, em parcos quatro meses (o
que são quatro meses, galera?), transformou a rala e salobra água rubro-negra
em denso e inebriante vinho do Porto, doutrinando jogadores, multiplicando
gols, recordes e vitórias, convertendo jornalistas e santificando antigos
pecadores aos olhos de devotos torcedores. Sabíamos que tínhamos potencial para
produzir algo de qualidade, muito embora fosse imperioso admitir que nem mesmo
a hiperbólica percepção de um Nelson Rodrigues colocaria o Flamengo nos
píncaros do ludopédio continental em que ora se encontra.
Há quanto tempo você, torcedor de qualquer
clube, não tem a escalação de seu time na ponta da língua? Vou além; qual a escalação
de seu time quando do último título conquistado? Qual foi a última vez que seu
time ‘fez história’ ou ‘marcou época’? Admitamos: a maioria nem sabe o que é
isso, pois conta-se nos dedos de uma mão as esquadras que atingiram esse
patamar nos últimos 150 anos de futebol jogado em solo tupiniquim. Só Santos e
o São Paulo chegaram lá, além de nós.
Entenda-se ‘chegar lá’ por dominar a
cidade, o país, o continente e o mundo, colocando na roda os campeões da
Champions, na final do Interclubes (atual Mundial de Clubes), como fizeram Pelé
com o Benfica e Telê Santana com o Barça e o Milan. O Flamengo de Zico completa
essa tríade; fomos os fodões do Bairro do Peixoto... 38 anos atrás! De lá para
cá, sequer uma final continental voltamos a disputar, ao contrário dos dois
paulistas, que voltaram e conquistaram novamente a Liberta, mesmo sem
esquadrões foras-de-série como os de outrora. Isso nos coloca como um clube
mediano no imaginário do torcedor, mundo afora. Quando não, totalmente
insignificante – apesar do Zico!
‘Descobri’ isso num taller de periodismo entre jornalistas latino-americanos, em Cuba,
em 2001 - portanto duas décadas após o baile em Tóquio. Ostentando o Manto Sagrado pelo salão, percebi que
não causava qualquer sensação. Um equatoriano até sabia quem tinha sido o
‘Grande Zico’, mas não o Flamengo. Foi quando caiu a ficha de que meu Mengão
fuderosão tricampeão (o Pet havia marcado o gol de falta naquela semana) não
tinha qualquer representatividade ou reconhecimento no continente americano. Ou
você, querido flamenguista, reconheceria o Argentinos Juniors como potência
futebolística? Por que não? Os caras também foram campeões da Liberta na
primeira participação deles (1985) e produziram um gênio da raça (Maradona),
enquanto nós fizemos o mesmo em 1981 e revelamos o Zico. Sacaram? Somos um
Argentinos Juniors da vida; ninguém bota fé, fora os próprios torcedores, os
iludidos assumidos. Tudo bem que ganhamos umas copinhas do Brasil lá e cá, e
outros tantos brasileirões aqui e acolá, mas e daí? Quem liga? Pior: chegando a
algumas decisões como azarão (1992 e 2009)! São conquistas gostosas, mas pontuais;
aliás, foras da curva (e nossa curva tende à mediocridade).
Jorge Jesus está mudando isso. Hoje o nome
do Flamengo corre pelos sete mares do Planeta. Ganhando a Libertadores e, sim,
o Mundial, na negra do Liverpool, teremos assegurada nossa volta ao Olimpo, o
que não estaria garantido somente pelas conquistas, senão pela forma
encantadora como joga nosso time.
O flamenguista, sem perceber, está
finalmente se divorciando do paradigma de 81, ano do futebol-total, como quem
deixa finalmente de pensar num antigo romance, seja por obra do tempo, seja
pela aparição de um novo amor. Hoje, o flamenguista é aquele sujeito feliz e
apaixonado, tal qual o adolescente do início do texto, mas não somente por
estar próximo à consagração total, ou por ter sua paixão plenamente
correspondida, senão por saber que ela, a paixão, pulsa em mais de quarenta
milhões de corações, além de outros milhares, recém-convertidos, que têm se
deixado encantar pela apoteose do Mais Querido. Como nos ensinou o jovem
libertário estadunidense Cristopher McCandless - inspiração para o célebre
livro ‘Na Natureza Selvagem’, de Jon Krakauer -: “a felicidade só existe quando
é compartilhada”.
Oh, meu Mengão, eu gosto de você; quero
cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro...
Texto originalmente publicado no blog ludopédico BOROGODÓ FUTEBOL CLUBE
Texto originalmente publicado no blog ludopédico BOROGODÓ FUTEBOL CLUBE
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