Hincha charrúa pronto para pegar o Blatter dicunforça |
“For the good of the game!” - é assim que a FIFA alardeia ao
mundo suas intenções em relação ao futebol. Portanto, para o bem do jogo, é bom
que todos joguem limpo.
Não ria, cético leitor; a FIFA preza pelo fair-play. Prova
disso é a exemplar punição sentenciada ao guerreiro charrúa e atacante
uruguaio, Luizito “El Conejo” Suárez, por conta de uma mordiscada num cannelloni
italiano, seu colega de profissão. Com a cajadada, a toda-poderosa pretende
matar dois coelhos: auto proclamar-se a guardiã da bola, além de advertir aos
maus elementos que ali as regras existem para ser cumpridas. A entidade parece
resoluta em extirpar do esporte qualquer sintoma exacerbadamente humano,
projetando no horizonte uma peleja robótica, protagonizada por tão infalíveis e
obedientes jogadores.
“O vídeo-tape é burro”, disse Nelson Rodrigues, quiçá o homem
que mais compreendeu a alma da gorduchinha. Mas de que adianta emperolar o
porco se a dona do jogo, que já não dá ouvidos às tradições da bola, escuta
muito menos aos poetas e filósofos dessa Escola? Ela não somente confere as imagens
da partida, como dá vida a transgressões não computadas pelo juiz, penalizando
o infrator por meio de um hipócrito tribunal post mortem.
Suárez virou bode expiatório por ser reincidente. Na final da
Copa da Alemanha, Zidane, que com seu cabezazo
na caixa dos peitos poderia ter simplesmente matado o Materazzi, recebeu apenas
três partidas de suspensão – algo muito coerente e justo, creio -, e isso
porque já havia anunciado a aposentadoria.
Mas seguindo a lógica bizarra ora em voga, o símbolo “Pelé”
seria, por exemplo, hoje, menor do que é. Pela cotovelada na fuça de um
uruguaio, na semifinal de 70, o crioulo teria pegado ao menos dez partidas de
gancho, tamanha a violência do golpe. Tudo, no entanto, ficou em celestes
nuvens; ele jogou a Final, imortalizou-se e fez da camisa 10 canarinho um ícone
mundial. Nada disso teria rolado se os cartolas tivessem metido a nariga onde
não são chamados.
Isso para não falar dos milhares de pênaltis não marcados,
dos gols mal assinalados ou sequer validados e dos corações infartados por
equívocos da arbitragem. Será que o bandeirinha suíço que deu o famoso não gol
inglês, em Wembley66, vai ter sua honra e seu nome depreciados pela FIFA em
praça pública, agora que se instituiu as câmeras na linha do gol? Seu erro
causou uma derrota em final de Copa, enquanto que o de Suárez, somente uma
escoriação. Qual equívoco selou mais vidas ou mudou mais destinos? Por que,
então, a FIFA age como uma divindade envolta em castidade para selar o porvir
dos verdadeiros protagonistas do espetáculo, sem nenhuma responsabilidade?
E mais: o que ela quer dizer com nove partidas de suspensão e
quatro meses longe de qualquer atividade relacionada ao futebol, proibindo o
indivíduo, inclusive, de freqüentar estádios – sem mencionar as 100 mil libras
de multa? Aviltamento público? Não sou defensor das bordoadas, mas qual a
diferença entre uma mordida e uma cotovelada na cara? Ou de uma cusparada no
olho? Quantas pancadas nebulosas não são dadas, diuturnamente, pelos campos de
futebol, mundo afora? O padrão-FIFA quer criar jogadores insensíveis, sem
emoção?
Zizou justificou que o italiano havia ofendido sua irmã e sua
honra, e todos o perdoaram. Isso torna sua cabeçada menos violenta que a
dentada de Luizito? Ou menos letal? Menos perigosa? Que jurisprudência ou moral
tem a FIFA para acusar este ou aquele por jogo sujo? Logo ela, que merece o epíteto
mais do que qualquer outra entidade capitalista no planeta. Logo ela, que
inventa uma Copa no meio do deserto e mandou o bom senso se Qatar!
Obviamente que não se trata de perseguição, como alegam os
uruguaios; do contrário o mediano Diego Forlán nunca teria sido eleito o melhor
da Copa passada. Mas o viés totalitário e injustificável da punição contribui
para desconfianças, além de um natural arrefecimento da nossa paixão em relação
à Copa. A FIFA não entende de futebol e age com recalque. Toda solidariedade ao
Povo Cisplatino. E mordidinha no ombro pro Blatter.
texto originalmente publicado no Borogodó Futebol Clube
foto: joão sassi
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