Mas pode me chamar de Rihanna! |
Ansiosa, eu vagava pelo quarto,
já bem tarde da noite. Ora sentada na cama, ora olhando o jardim pela janela, queria
que a manhã chegasse logo. De vez em quando, parava diante do espelho, desenlaçava
o robe e ficava me analisando, nua, procurando por algum defeito em meu corpo. Fazia caras e bocas, acariciava meus pequenos seios e empinava o
bumbum, interpretando uma sensualidade ainda crua, juvenil. Assim foi a madrugada;
acordada, pensando no compromisso de logo mais.
Às seis da manhã, estava
banhada, cheirosa e maquiada; pronta! Dali a minutos, meu pai me daria uma
carona até a faculdade:
– “Maquiagem pesada, hoje, mocinha... Não acha que está vulgar demais para um dia de semana?”, questionou.
– “É para uma foto da turma pai; todas vão
estar assim. Depois eu lavo o rosto!”, respondi, fazendo ares infantis.
- “É melhor, mesmo; do contrário vão pensar
que você é uma dessas vagabundas que andam por aí!...”.
Esse era o jeito do meu pai;
tratar com rispidez quando reprovava minhas escolhas. Algum carinho, só “do
jeito dele”. Se concordasse, tinha certo apoio e até algumas vontades atendidas;
se o contrariasse, contudo, perdia seu sorriso, mimos e confiança. Quando criança, depois que mamãe morreu, fiz esse
jogo, por inocência e carência. Depois me magoei. Agora, “praticamente maior de
idade”, parei de me rebaixar; só faço quando preciso, por cinismo, aparência,
dissimulação mesmo. Apesar disso, a hipocrisia dele já estava me enchendo...
Afinal, quem ele acha que é
para falar da minha maquiagem? Pensa que mamãe não sabia que ele comia todas as
secretárias e aquelas apresentadoras decrépitas do jornal? Bando de aproveitadoras!
Mocréias botocadas que se acham as gatinhas! São justamente as tais “vagabundas que andam por aí”, e que ele conhece muito bem!... E ainda vem falar da minha
maquiagem?!
A Mercedes encostava em frente
à faculdade quando ele me pergunta se ainda me sobrou um pouco da mesada. Digo
que não; que os 500 reais que eu “ganho” não dão para nada. Apiedado, ele me dá
20 reais e um beijo na testa: - “Tome, caso queira fazer um lanche gostoso com suas coleguinhas, no recreio...”.
Assim que o carro dobrou a
esquina, saí dali depressa. Estava muito nervosa, apesar de convicta. Para me
tranqüilizar, pensava no que Valéria havia dito (“Não tem perigo, boba! É
esquema de confiança; dinheiro fácil!”).
Valéria era uma colega de curso a quem todos
acusavam de ser piranha. Pelos corredores da “facult”, ela desfilava com salto
e vestidinhos de marca provocantes demais, até para os dias atuais. Com cabelos
encaracolados e meio alaranjados, algumas sardas e nem tão bonita assim, era gostosa
de doer e tinha auto-estima, razão pela qual era odiada e invejada pelas
meninas. Os garotos faziam de tudo por ela, fantasiando um serviço grátis, embora
colecionassem nada além de risinhos e piscadelas de agradecimento, os tolinhos.
Ela não estava nem aí para a pirralhada.
Um dia, impulsivamente,
perguntei se ela fazia programa. Sem se
incomodar, disse: - “Como você acha que tenho tudo isso?” –, apontando para o
corpo e para as roupas – “Você é riquinha e tem quem te compre as coisas,
querida, mas nem todo mundo tem essa sorte.” – arrematou, sem saber que tinha arrematado
também meu orgulho.
A verdade é que eu achava
humilhante ter que fazer o jogo do meu pai sempre que eu precisava ir ao
shopping comprar uma simples calça jeans. Além, é claro, dele nunca me deixar comprar o
que eu realmente quero!
Percebendo meu encantamento,
Valéria esticou o olhar e soltou no ar: - “Quer experimentar? O máximo que pode
acontecer é você não gozar, boba!”. Achei tão simples a contrapartida
apresentada que, uma semana depois, ali estava eu, no ponto marcado, esperando
por um “amigo” que logo viria ao meu encontro.
Não demorou até que um luxuoso
carro de vidros escuros parasse ao meu lado. Quando o vidro baixou, vi um homem
charmoso, pouco mais velho que meu pai. Com uma voz grave que combinava
perfeitamente com seu terno fino, olhou pra mim e perguntou se eu era a Rihanna
- era a senha para que eu entrasse. Dali, seguimos para um motel. Em duas
horas, gozei quatro vezes e ganhei mil reais.
Voltei à faculdade antes das
aulas terminarem. Pouco após o meio-dia, já estava em frente à entrada. Quando meu
pai chegou, eu ainda estava bem relaxada... Mas senti contrair toda a
musculatura da alma quando, ao me abraçar, suas mãos tocaram meus cabelos ainda
úmidos. Temi por perguntas que eu não saberia responder. Mas ele então sorriu
com candura, alisou meu rosto limpo – agora sem maquiagem - e arrancou com o
carro, cheio de satisfação: - “Que obediente é a cocotinha do papai! Vai ganhar
uma sobremesa especial neste almoço, ora, vai!...”.
photo: joão sassi
2 comentários:
Jonjon,
Seus textos estão melhores a cada dia.....kde um livro de contos?
beijos
Muy grato, querida Inaê! Essa foi uma experiência diferente, mais distanciada do meu ego, na pele de uma moça... Muito interessante, mas sempre passível de melhorias!
Beijo grande deste Maltrapa!
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