O que tem de malandro-agulha não tá no gibi; todo mundo querendo dar nó em pingo d'água... |
Eu e meu parceiro estávamos famintos e cansados por passar toda a manhã dentro de um carro, no que pensamos em almoçar no Mina’s Fud, aquele restaurante mineiro que serve uma comidinha satisfatória, na W3 Norte; um pouco gordurosa, talvez, mas satisfatória...
Aqui em Brasília, como em todo e qualquer centro urbano onde
impera a falta de raciocínio governamental e de bem-estar social, cada um faz o
que quer pelas ruas da cidade. Há poucos anos, este restaurante, por exemplo,
não passava de um pequeno refeitório que servia PF’s aos mecânicos das oficinas
situadas nas adjacências. O governo ameaçou tirar o pessoal, criou, ainda que
mal e parcamente, o Setor de Oficinas Norte, fez divulgação, coisa e tal, mas
continua muita gente lá, trabalhando, ainda que ilegal. E tá só aumentando; parece
que tem até um projeto do GDF para legalizar todo mundo de novo e construir
mais comércio. Nesse caso, sou obrigado a concordar: tem muito espaço vazio
nesta cidade; pra quê tanta área verde? Só serve de abrigo pra mala, noiado e
marginal. Acho que Brasília tá precisando progredir, evoluir. De pasto, o Entorno
tá cheio! Que capital é essa que não tem prédio grande? Parece até que
brasileiro tem medo de altura...
No Mina’s, o dono (conhecido meu) aproveitou um feriado
prolongado e, para a fiscalização não pegá-lo, ergueu na tora um puxadinho caprichado.
O tamanho do estabelecimento ficou jóia! Hoje dá para chamar de restaurante; tem
pra mais de 50 mesas no salão! Tem também um estacionamento ao lado, mas que
está sempre ocupado pelos mecânicos que aproveitam o espaço público como local
de ofício, de modo que faço o óbvio; paro meu potente utilitário sobre a
calçada, bem defronte o Mina’s, e todo mundo fica numa boa. A calçada é
espaçosa; não fecho a passagem do cidadão, que pode passar pelo cantinho, nem
atrapalho o trabalho dos mecânicos.
Na entrada, somos bem recebidos pelo menino que distribui as
fichas de consumo. É um bom garoto. Por ser dimenor, recebe apenas uma ajuda de
custo para trabalhar ali. É pouco, mas é melhor do que estar roubando ou se
drogando, como muito pivete da idade dele.
Seu Oswaldo, o dono, acena com um sorriso por detrás da caixa
registradora. Registradora é modo de dizer, pois como o sistema aqui é informal,
ele não registra nada e o governo não recolhe o que deveria. Acho justo, afinal,
Seu Oswaldo dá um duro danado e todo mundo sabe que os políticos aplicam mal o
dinheiro dos impostos.
Dia de segunda-feira é o meu preferido, pois o pessoal da
cozinha reutiliza a feijoada que sobrou da sexta e do sábado, então ela fica
muito mais saborosa porque o gosto fica mais assentado – eu toco o foda-se encho
o prato! Coloco um toicinho na cobertura e aceito umas lingüiças apimentadas
que o Juca, que fica na chapa, traz de São Sebastião e repassa ao patrão. O
açougue é clandestino, mas o Juca garante que a qualidade é boa; ele mesmo come
dela pra provar o que diz. Couve eu não curto, nem laranja. Aproveito pra comer
um monte de merda, sem que minha mulher fique me enchendo o saco. Aquilo ali é
uma praga! Rola até uma branquinha para rebater. Ferreira, meu parceiro, me
chama a atenção - diz que temos que trabalhar à tarde - mas uma ou duas doses
não vão me derrubar. Além do mais, ninguém me viu bebendo, pô!... A gente passa
o dia todo naquela porra de carro, então ninguém vai sentir meu bafo.
No Mina’s, aliás, todos nos tratam com respeito. A mulher do
Seu Oswaldo, Dona Terezinha, inclusive, faz sempre questão de nos convidar para
nos sentarmos com ela e com a Claudinha, filha deles dois. Claudinha tem 14
anos, mas já é gostosa e eu pegava sem dó; tenho certeza que essa menina gosta
de uns tapas na cara. Essa geração de agora tá cheia de menina safada, e do
jeito que a Claudinha se pinta e se veste, já sei do que ela gosta. O problema
é que a mãe não tira os olhos de mim. Para azar dela, só como vitela; se
Claudinha quiser se apresentar pro serviço, faço dela minha cadela.
Já perguntei pro Ferreira se ele topava convidar a menina pra
uma farra e tocar o terror com ela, mas descobri que o filha da puta toca na
bandinha: ele, claro, não revela, mas sei que ele curte dar a bunda. Já vi o
Ferreira se esfregando com um sujeito peludo, numa quebrada de Taguá. Ele não
sabe que eu sei e eu finjo que não sei. Afinal, é um profissional dedicado, o
pederasta do Ferreira, por isso o aceito como parceiro. E na hora que o caldo
engrossa, ele não faz feio e desce o cacete. Sujeito íntegro e macho, o viado
do Ferreira.
Como também o é meu amigo Oswaldo, quem muito gentilmente não
nos cobra qualquer pagamento pela refeição. Despeço-me e advirto que estou
sempre nas redondezas; se precisar, é só ligar. À saída, dou um cascudinho
carinhoso no menino que fica na porta: - E aí, pivete, já voltou a estudar? Não
te mete com os malas daqui, hein! Não vai fumar maconha! -, e atravesso a rua,
a passos esparsos, como os de um fazendeiro. Uma camionete também subiu na
calçada e estacionou bem colado à porta da nossa viatura. Eu poderia multá-lo,
mas tudo bem; é do filho do Seu Oswaldo e sei que ele não se demora muito
almoçando.
Entro pela porta do passageiro já desafivelando o cinto do fardamento
a fim de desapertar a pança, e pergunto:
- Sorvetinho e sesta,
Ferreira?
- Sorvetinho e sesta...
- A gente pode pegar
uns picolés aqui mesmo e encostar ali, no gramado do final da L2 Norte, onde
têm aquelas árvores e uma sombrinha legal... Dá pra cochilar ou curtir o lago e
tal...
- É nóis! Liga essa
sirene e pisa fundo!...
imagem: joão sassi
6 comentários:
Muito Bom! Curti de montão. Abraço mano.
Valeu, Maurão! Muito bom tê-lo por aqui! Como disse um amigo meu, "massa, também quero ir nesse restaurante! Hahaha!...
Abraço forte!
Estranhei o meganha se referir ao veículo de trabalho como carro e utilitário, jamais como "viatura", que é o jargão utilizado por policiais civis, militares e federais.
Muito bom! Gostei muito da filha da Dona Terezinha kkkkk. Bom conselho pro dimenor. BRAVO!!
Valeu, Flávio! Pois fiquei sabendo que Dona Terezinha não deixa a filha sair com qualquer vagabundo, não!... Se liga na fita que a mulher é braba!
Abração,
O Maltrapa
Grande Márcio, seu estranhamento não foi casual. Como autor, escolhi esse caminho: não revelar a identidade do protagonista logo de início. A descoberta tardia supostamente faria o leitor se indignar ainda mais quando, ao longo do texto, descobrisse tratar-se de um policial; foi tudo intencional.
E no mais, tudo na Paz? De volta?
Abraço saudoso!
O Maltrapa
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