É noite. Sentado onde estou, daqui vejo a Pétala do Niemeyer
pelo quadrado vago da janela. Isolada em seu horizonte e rodeada de breu,
aparenta-se mais a um foguete prestes a ser lançado que propriamente à bela Flor
do Cerrado. É mais uma invencionice do velho Oscar que Brasília – esta cidade
estranha – recebeu como legado.
Com que finalidade a cidade tenha sido construída, isso já
sei. Que as profecias tenham se concretizado quanto ao seu pertencimento ao
povo brasileiro, nem tanto. Afinal, onde é que este ser - o brasiliense - se
sente amado, aconchegado e bem-recebido em sua própria cidade? E o que Niemeyer
tem a ver com isso?
Após um início virtuoso, com meia-dúzia de belos palácios
construídos, começamos a estranhar a obra do genial arquiteto por conta daquele
espaço todo vazio da Praça dos Três Poderes; tudo muito duro e seco; agreste,
por assim dizer. Quer dizer, não havia - fora o pipoqueiro foragido sob a
sombra do cabeção do JK - qualquer ambiente de carinho ou acolhimento ao
visitante, que se sentia meio pateta ali, naquele mundão de pedras portuguesas carregadas
de ofuscante brancura e calor. É pouco dizer que, nesse caso, Lúcio Costa muito
colaborou.
Aí veio a pomba da paz do Panteão da Pátria. Foi
aplaudidíssima – afinal, “é do Niemeyer!” –, mesmo que, aparentemente, gastar
combustível tenha sido sua única serventia durante anos, até que um’alm’arguta
tivesse a brilhante ideia de substituir o fogo por luz. Ficou menos glamoureuse, mas também menos custeuse ao erário. Antes dos tempos
bicudos chegarem, quando se podia andar por aí, a pomba, além de queimar gás,
era tida por expertises como local
apropriado à queima de fumo e de álcool, sendo sólida base a piteiros e bebedeiros
em noites de luar. Hoje, no entanto, não se pode dar bandeira por aquelas
bandas da praça, pois há bandidos em todo ao redor – por mais belas que sejam as
vidraças dos palácios, seus subterrâneos estão sempre imundos; é de dar dó.
Após um hiato de vacas magras, sublevou-se meio$$$ para a
construção de um complexo cultural formado por uma biblioteca-fantasma e um
fornão de pizza (de nome museu) em constante descascamento e bronzeamento cerradino,
cujos arrabaldes, a exemplo da Praça dos Três Poderes, nada tem de convidativo ao
público que por ali se aventura. São ambos um deserto feito de nada e concreto,
sem que isso signifique, pelo menos, um estacionamento decente.
Não parece ser este, aliás, o problema da recém-inaugurada
Pétala. Ali, antes mesmo de desfolhá-la, o visitante poderá desfrutar de
amplíssimo estacionamento em massa asfáltica de discutível qualidade – e nada
mais! A reboque da lógica presente nos monumentos anteriormente citados, a Flor
do Niemeyer fica num vazio profundamente brasiliense. Daí o desavisado se perguntar,
“será que o homem que criou essas coisas era depressivo, coitado?” – mero reflexo
do isolamento encarnado nas obras do arquiteto come-quieto.
Mas sendo assim, um hedonista dileto, óbvio não ser o caso de
viver em depressão; claro que não! Todos sabem o quanto gostava de viver ou o
quanto admirava as mulheres, essas provedoras de curvas e bem-estar que tanto
inspiraram o jovem Oscar. Sua angústia certamente era bem outra... Mas qual?
Qual a angústia de Oscar? O que o incomodava tanto que tanto me incomoda?
Incomoda saber que nossos grandes monumentos sejam tão a
nossa cara, tão Brasília. São distantes, frios (apesar de quentes) e
silenciosos, como se Oscar, pelas tortas vias de um comunismo distorcido, não
aceitasse abrir mão do tom solene que os duros anos de chumbo perpetraram na
alma da capital, criando espaços públicos não frequentados pelo público.
Não era meu intento espinafrar o velho mestre, mas minha
cidade está precisando de calor humano. As caras e ainda pouco desfrutadas
homenagens parecem, cada vez mais, sedimentar esse isolamento que faz o coração
do brasiliense cada vez mais carente de sentimento.
PS: Essa é uma obra de ficção e todos os relatos aqui
contidos são invencionices maltrapilhas. Na verdade, eu nem sei se o Niemeyer
era esse mulherengo todo.
5 comentários:
Concordo. Saudades, velhinho.
Z.
Oscar era mulherengo sim com 90 anos ele se casou de novo! Uma lição de vida e aposta na felicidade à dois. Enquanto conheço muita gente que fica reclamando da idade que é tempo pra isso pra aquilo... Outra curiosidade sobre o arquiteto, na inauguração de BSB ele participou no começo da festa com JK e seus asseclas depois ele foi pra Cidade Livre curtir com os trabalhadores, dançar forró, tomar pinga e fumar sua cigarrilha com os companheiros e de repente de quebra pegou alguma candanga faceira dando mole por aquela bandas rsrsrs. Essa fonte de informações vi nas homenagens pós-morte e do seriado JK.
Graaaande Zé! Conte aí; o que a Polônia tem em comum com Brasília?
Abraço saudoso!
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Amigo Flávio, dessas peripécias do Oscar eu não sabia, no que se pode vaticinar, sem erro: era um carioca de alma mineira, o farrista! Como eu havia mencionado, não era minha intenção faltar-lhe com o respeito, mas que tinha alguma coisa escondida naquele subconsciente, ah, isso tinha!
A arquitetura é uma área onde beleza e funcionalidade deveriam andar juntas, sempre que possível.
Abração do Maltrapa!
Realmente, João, Brasilia é uma cidade fria, pra nao dizer morta!! Acabo de chegar do Rio de Janeiro e fiquei impressionada com o tanto de gente que tem nas ruas, andando e vivendo... Sem dúvida, temos no Rio uma cidade viva! Talvez aqui encontremos algo parecido no SCS ou SCN, mas mesmo assim de 8 as 18h!! Depois voltamos a boa, "nova" e morta Brasilia... Cadê o povo daqui? Haja buraco pra tanto tatu!
bj
Durante minha infância e parte da adolescência, Moema, invejei de morte os moradores das cidades-satélite, pois eles dispunham de um "sentido de comunidade e vizinhança" que nunca encontrei no Plano Piloto. Creio que isso tenha muito a ver com questões sócio-econômicas - e no que lhe cabe, ao velho Oscar!
Beijão deste Maltrapa
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