Se me perguntarem, “Acreditas nos sentimentos humanos?”, responderei que sim.
Não gosto de normas ou padrões sociais de conduta. Acho-os empobrecedores no tocante à natureza humana, tal qual a concebo; sensual, criativa, libertária! Normas e padrões geralmente são o contrário, tendendo a nivelar tudo ali, pela altura da sola do sapato.
Sou afeito à subjetividade humana posta em forma de improviso, espirituosidade e, principalmente, graça. É desse espaço emocional que precisamos para escapar à mediocridade imposta. É o espaço ideal para a comunicação real, direta, despojada de arroubos civilizatórios que tanto nos limitam e oprimem, normatizando e padronizando nossa existência.
A quebra desse tipo de paradigma está - como tudo nessa vida - na mente de cada indivíduo. Quando desativamos esse sistema dentro de nós, estimulamos o outro a fazer o mesmo, desencadeando uma onda de anarquismo existencial em cadeia.
(...)
Não sei quantas vezes já havia sido desligado ou jubilado da Universidade de Brasília, mas sempre soube que, para o primeiro caso, cabia recurso.
As justificativas sempre eram as mais variadas possíveis, mas se concentravam na figura daquele que era, além de aluno, arrimo de família. Eu mesmo utilizei esse estratagema em minha “estréia”, só porque pagava a conta do condomínio e da luz lá de casa.
Mas a partir da terceira ou quarta vez que a instituição “te desliga”, os argumentos vão se escasseando. Era, pois, esta a minha preocupação quando abri a correspondência da UnB, delicadamente enviada por correio ordinário – o que parecia combinar com um aluno igualmente ordinário.
Se bem tivesse um emprego extenuante, sem hora para começar ou terminar, minhas mãos se recusavam a preencher a solicitação de reintegração com essa argumentação. O motivo? Eu estava apaixonado – platonicamente apaixonado...
Por quase todo um ano não pensei em outra mulher que não nela. Não sentia tanta alegria com um gol do meu time quanto a que sentia ao pronunciar o nome dela. Por quase todo o ano, aliás, não pensei em outra coisa que não nessa mulher. Estudos, trabalhos, todo o resto era resto; minha vida era gasta em pensamentos e esperanças pouco realizáveis. Não que me faltasse vontade, mas a tontinha era refém de um namorado dominador...
Isso tudo escrevi no documento solicitado pela universidade, e entreguei-o, ferido pela paixão não correspondida, mas romanticamente vingado pela nobreza do meu ato. Ali estava a minha verdade.
Algum tempo se passou desde então, até que recebi um telefonema do Departamento de Atendimento ao Aluno. Do outro lado da linha, uma senhora quis confirmar o que acabara de ler: “–O senhor escreveu aqui que... Que estava apaixonado; é isso mesmo?” Diante da minha confirmação, fui convidado para uma entrevista.
Na data marcada, fui recebido em uma sala onde, além da senhora que me convidara, estavam quatro outras moças, aparentemente à toa. Revelaram um ar de expectativa tão logo me apresentei. “–É ele!...”, cochichou uma delas às amigas.
Levantei a sobrancelha, como se não tivesse escutado, e me sentei. A entrevistadora trazia uma pasta com minha documentação, histórico acadêmico e etc, mas retirou apenas a ficha de solicitação de reintegração. Olhou para o papel e para mim, como se pudesse (ou quisesse) conferir a autenticidade do documento, associando-o à minha sorridente pessoa.
- Você escreveu aqui que... Hum... Você trabalha?
- Trabalho. -, respondi.
- Sei, sei... Mas aqui não está escrito que você trabalha...
- Pois é...
Outras duas moças entraram na sala, juntando-se às outras, que acompanhavam tudo em silêncio absoluto. A entrevistadora continuou:
- Mas por que, então, não mencionou que o trabalho poderia estar atrapalhando sua vida acadêmica? Não seria o caso?
- Seria uma mentira.
- ?... Mas não é verdade? Por que, então, seria mentira?
- Por que nem do trabalho eu estava dando conta...
- Não? E por quê?
Olhei para as moças e disse, após uma pausa cafajestosa: “Por que eu estava apaixonado, e quando me apaixono, o mundo não existe para mim...”
Ouviu-se um suspiro coletivo na sala.
Na semana seguinte, recebi a confirmação do meu pedido.
Não gosto de normas ou padrões sociais de conduta. Acho-os empobrecedores no tocante à natureza humana, tal qual a concebo; sensual, criativa, libertária! Normas e padrões geralmente são o contrário, tendendo a nivelar tudo ali, pela altura da sola do sapato.
Sou afeito à subjetividade humana posta em forma de improviso, espirituosidade e, principalmente, graça. É desse espaço emocional que precisamos para escapar à mediocridade imposta. É o espaço ideal para a comunicação real, direta, despojada de arroubos civilizatórios que tanto nos limitam e oprimem, normatizando e padronizando nossa existência.
A quebra desse tipo de paradigma está - como tudo nessa vida - na mente de cada indivíduo. Quando desativamos esse sistema dentro de nós, estimulamos o outro a fazer o mesmo, desencadeando uma onda de anarquismo existencial em cadeia.
(...)
Não sei quantas vezes já havia sido desligado ou jubilado da Universidade de Brasília, mas sempre soube que, para o primeiro caso, cabia recurso.
As justificativas sempre eram as mais variadas possíveis, mas se concentravam na figura daquele que era, além de aluno, arrimo de família. Eu mesmo utilizei esse estratagema em minha “estréia”, só porque pagava a conta do condomínio e da luz lá de casa.
Mas a partir da terceira ou quarta vez que a instituição “te desliga”, os argumentos vão se escasseando. Era, pois, esta a minha preocupação quando abri a correspondência da UnB, delicadamente enviada por correio ordinário – o que parecia combinar com um aluno igualmente ordinário.
Se bem tivesse um emprego extenuante, sem hora para começar ou terminar, minhas mãos se recusavam a preencher a solicitação de reintegração com essa argumentação. O motivo? Eu estava apaixonado – platonicamente apaixonado...
Por quase todo um ano não pensei em outra mulher que não nela. Não sentia tanta alegria com um gol do meu time quanto a que sentia ao pronunciar o nome dela. Por quase todo o ano, aliás, não pensei em outra coisa que não nessa mulher. Estudos, trabalhos, todo o resto era resto; minha vida era gasta em pensamentos e esperanças pouco realizáveis. Não que me faltasse vontade, mas a tontinha era refém de um namorado dominador...
Isso tudo escrevi no documento solicitado pela universidade, e entreguei-o, ferido pela paixão não correspondida, mas romanticamente vingado pela nobreza do meu ato. Ali estava a minha verdade.
Algum tempo se passou desde então, até que recebi um telefonema do Departamento de Atendimento ao Aluno. Do outro lado da linha, uma senhora quis confirmar o que acabara de ler: “–O senhor escreveu aqui que... Que estava apaixonado; é isso mesmo?” Diante da minha confirmação, fui convidado para uma entrevista.
Na data marcada, fui recebido em uma sala onde, além da senhora que me convidara, estavam quatro outras moças, aparentemente à toa. Revelaram um ar de expectativa tão logo me apresentei. “–É ele!...”, cochichou uma delas às amigas.
Levantei a sobrancelha, como se não tivesse escutado, e me sentei. A entrevistadora trazia uma pasta com minha documentação, histórico acadêmico e etc, mas retirou apenas a ficha de solicitação de reintegração. Olhou para o papel e para mim, como se pudesse (ou quisesse) conferir a autenticidade do documento, associando-o à minha sorridente pessoa.
- Você escreveu aqui que... Hum... Você trabalha?
- Trabalho. -, respondi.
- Sei, sei... Mas aqui não está escrito que você trabalha...
- Pois é...
Outras duas moças entraram na sala, juntando-se às outras, que acompanhavam tudo em silêncio absoluto. A entrevistadora continuou:
- Mas por que, então, não mencionou que o trabalho poderia estar atrapalhando sua vida acadêmica? Não seria o caso?
- Seria uma mentira.
- ?... Mas não é verdade? Por que, então, seria mentira?
- Por que nem do trabalho eu estava dando conta...
- Não? E por quê?
Olhei para as moças e disse, após uma pausa cafajestosa: “Por que eu estava apaixonado, e quando me apaixono, o mundo não existe para mim...”
Ouviu-se um suspiro coletivo na sala.
Na semana seguinte, recebi a confirmação do meu pedido.
27 comentários:
Ai, ai... Adoro quando você está apaixonado...
Amado, dessa forma ... por favor... só se deixe apaixonar assim doentiamente, depois de formado...
Talvez, numa próxima, o responsável, seja um homem desprovido desse romantismo que vibra em todo seu ser...
Eu, sei que seus olhos, assim como sua inteligência, são extraordinários...mas páre de brincar com a sorte!!!!
Quero um apaixonado com canudo debaixo do braço...hahahahahha
Eu, por minha vez, continuo te amando e vc, hahahahahha, me desprezando...porém, estou aqui!!!
Saudações Urubulinas...
bjos mil
Marcya, pelo jeito, as moças da UnB também! Hahahaha!
beijos...
O Maltrapa
Inaê, nananinanão: pare de brincar você! Lição de moral e paixão não combinam! Apaixone-se, neguinha...
O Maltrapa
Jonjon,
meu amor por você é incondicional... sempre foi e sempre o será... independe de combinações... é espontâneo, vivo e vibrante... só sinto sua falta..fazer o quê?
bjos amorosos
Não sei ser, sem ser, uma anarquista existencial !!!!
Que esta onda , a todos , contamine!!
Meu estômagosinho já dá um frio de alegria só de pensar em todos os continentes banhados por esta ""massa líquida"" anárquica; que maravilha de vida!!!
""VIVA EU, VIVA TU, VIVA O RABO DO TATU""
""SEM TESÃO NÃO HÁ SOLUÇÃO""
""AME E DÊ VEXAME""
Ainda bem que você existe, coisinha mais linda do muuuuundo !!!!
TE AMoooooooooooooooooooo
LudiTiiiiiiiiiiiBUM!!
Caríssimo. É bonito e é verdade, mas imagine se no lugar da entrevistadora e de tantas espectadoras sedentas por um homem apaixonado, estivesse um já desiludido “homens comuns”. Enfim... ... O caso é que novamente a academia lhe acolhe como um filho que já esta mais para mestre que para aluno. Aproveita agora e se apaixona de novo, só que desta vez pela idéia de ver tudo isso de fora. Com seu canudo na mão e saudades de quando você morava com sua mãe.
Que româtico!
Quanta esperteza!
Certamente que deve ter arrebatado fãs na UNB.
Adorei!
Beijos!
Carol Sakurá
Não se fazem mais homens assim...
Hahahaha!... LudMaluquete, quem pode com esse seu pique? Que energia é essa, menina? Pobre Tatá... :P
Você também me contagia, neguinha; é tudo uma questão de retroalimentação e ruminação reverberatória de boas ondas de calor e carinho - simples, não?
TchiBUUUUM!!!
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Vagabundo Francisco, muito me agrada sua ilustre visita! Quando escrevi aquilo, não pensei no "se", mas no "é". O resultado poderia ser outro, mas o que me importa? Prefiro pensar que fui sincero e acabei conseguindo o que queria, rompendo com uma lógica aparentemente rígida (a acadêmica) e apostando no que nos é comum (o sentimento).
Abraço forte,
O Maltrapa
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Olá, Carol! Bom que você esteja curtindo. Também tenho lido coisas bem interessantes lá na sua varanda! Continuemos assim, ora pois!
Beijão,
O Maltrapa
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Letícia, fazer - até que fazem... Mas custa mais caro! Hahahaha!!!
Beijo grande,
O Maltrapa
"Quando desativamos esse sistema dentro de nós, estimulamos o outro a fazer o mesmo, desencadeando uma onda de anarquismo existencial em cadeia.". João, desativar esse sistema é um grande desafio. Estimular isso nos outros acaba sendo natural e arriscado também. Sua forma de existir no mundo é ousada, rapaz! "Que bom que nos tornamos amigos". Beijão!!!
E que bom que tenha sido assim, de acordo com a sensibilidade daquelas que leram, porque se fosse uma regra, um campo no formulário, "apaixonado(a)", perderia a magia. Tudo que o Estado e a burocracia tocam, desencanta.
Positivo, Popó! Acho "ousar" uma palavra muito bonita, que soa bem.
Quanto a sermos amigos, ajudaria muito se você se despedisse quando da próxima visita...
Beijão,
O Maltrapa
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Sou da mesma posição que você, Marina. Aliás, lembre-se: "O Estado é nosso inimigo!".
Beijo,
O Maltrapa
Ps: num exercício de imaginação fica bem legal preencher "apaixonado(a) (x)"; já imaginou?
hahahahahah
Muito, muito, muito bom mesmo!!
Ótima leitura para começar o dia feliz!
Bj gde
Gostei de mais! Principalmente da pausa cafajestosa... hahaha. E quando me apaixono o mundo não existe pra mim também...
Que coisa obsessiva será essa? Um delírio, uma alucinação? Desse jeito, como fica a produtividade do cidadão???
Beijos!
Valeu, Brasil! É bom encarar uma sexta-feira 13 com boas energias, né? Hehehe...
Beijão,
O Maltrapa
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Pois é, Amarilis, como fica a produtividade do cidadão? Hahahaha!!! Em nossa defesa, diria que a aparente estagnação de nossos atos não se reflete ebulição de nossos sentimentos; toda paixão, cedo ou tarde, recicla a alma.
Beijo de setxta!
O Maltrapa
Existia naquela cidade um mentiroso nato, um ludibriador de carreira, que mentia por puro prazer.Um dia, extrapolou!Pregou uma mentira que a todos ofendeu.A cidade se armou de paus e pedras e foi à casa do excomungado tomar satisfações.Aos primeiros gritos e interpelações, o sujeito olhou para a turba enfurecida e disse: - Eu menti! O que aconteceu em seguida foi inexplicável.Houve um silencio mórbido, uma troca de olhares generalizada, e em seguida, armas depostas e saída do contingente justiceiro.Moral da estória ( baseada no as minhas incursões no Almanaque Jurubeba da Sabedoria Popular): encontrar o bicho-papão à luz do dia, não tem a menor graça!E aí, Bartô...sempre imantando satélites...haja luz!Acho que vc. foi o responsável pelo apagão de Furnas....Não incha não!!!!hahahahahahabbbjjiins da Z.
Miss Z, só que no caso do meu conto, todo mundo queria ver o bicho-papão! Hahaha!
O amor só existe quando revelado.
Beijo grande,
O maltrapa
Dá-lhe João do coração cheio de paixão!
Quem diria que a emoção ainda pudesse ser critério de legitimidade neste mundo moderno que nos aparta da razão, deste modo fazendo dela uma razão estúpida e fria: resultado do projeto cartesiano.
Grande abraço e sucesso no amor,
Berna
No meu cartesianismo, 1 mais 1 é igual a 1000, caro Bernardo.
Tristes são as exatas batidas de um coração aritmético...
Grande abraço,
O Maltrapa
Boa tarde, Menino Sol!
Lembro bem de você me relatando esse episódio...
Você certamente tem o dom pra escrever, e deve continuar escrevendo.
Um beijo,
Fernanda
Ó, vida, fico feliz em poder contar com uma leitora tão luminosa! Seguirei teus conselhos, Fernanda; continuarei com esse profícuo labutar...
beijão,
O Maltrapa
Cartesianismos à parte, não devemos desprezar a sabedoria e a mágica dos números, já presentes na natureza muito antes do homem delas se dar conta. Afinal, na lógica binária, essa mesma que rola dentro dos chips, 1+1=10, 10+10=100 e 100+100=1000 (!). Os números não traduzem tudo, mas dizem muito.
Meu querido ex vizinho, quase ex inquilino e amigo/irmão,
Fazia tempo que eu não ria tanto lendo uma mensagem...
Deu certo! Vc está na UnB novamente?
Parabéns!!!! Agora vê se não se apaixona por meninas e sim pelo seus estudos...
Concordo com vc
A verdade sempre triunfa...
Saudades,
Noara
Vem com essa, não, Márcio! Pra mim, 1 mais 1 é mil e tá decidido! Que zé mané papo de chibinário é esse, rapaz?
Abraço,
O Maltrapa
Ps: ontem comi, à beira-mar, uma casquinha de siri, logo em seguida acompanhada por uma moqueca de camarão "VG", que eu vou te contar, bahia! Só não foi em sua homenagem porque, no local, só havia long neck...
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Noara, eterna vizinha, querida irmã, senhorio de sempre,
Eu estou na UnB, mas não é por esse motivo; o relato não é de agora.
Quanto a deixar de me apaixonar, lamento: morro desinformado, mas apaixonado!
Beijo grande!
O Maltrapa
Faço logo a pergunta essencial: essa moqueca capixaba tinha ou não dendê? Sem dendê, você já deve saber, é ensopado, não moqueca. Sobre a questão das operações binárias, melhor explicá-las também sob o efeito de umas brejas.
Hahahaha!!! Eu sabia que você ia encrencar com a moqueca dos caras!
Apesar de amarela, não levava dendê... Mas tava de lamber os beiços! Ainda mais quando se pode fazer a digestão numa caminhada pela orla...
Rapaz, o melhor da vida é não ter preconceitos; aceite o bem, não importa de quem. O ensopado capixaba tem lá seu valor!
O Maltrapa
Ps: eu gosto de todas, mas boto a maior fé no dendê!
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